S. Tomé e Príncipe a entrar-me pelos olhos, rumo à garganta e quando me apercebo, a paisagem mergulhada nos meus lábios, oiço as gaivotas penduradas no navio, e as canoas aos poucos tomam-nos de assalto, bugigangas ao preço da chuva, búzios em que se podia ouvir o mar e eu sentado numa esplanada junto ao Tejo, nas minhas costas o museu dos Coches de portas fechadas, e de vez em quando o roncar do vinte e oito em linha recta para Moscavide, peças de chita estampadas à volta de um cartão, colares de missangas, e eu no chão a fazer desenhos e a imaginar como seria a ilha, e tive medo de descer do navio e caminhar cento e cinquenta metros sobre o mar, e os camuflados levavam-me para a piscina do navio, e hoje percebo que no olhar dos camuflados existia o sorriso do regresso a casa, e no meu rosto, em mim as lágrimas da partida,
- Quinze anos depois ele sentado na esplanada, sobre a mesa um livro que aproveitava a tarde para dormir, e ele em minutos distantes com a chávena na mão a olhar a o padrão dos descobrimentos, fotografava mentalmente as pessoas que corriam na rua, e via nas mulheres a rotação da lua, os comboios a cruzarem-se em Belém, e até ele o cheiro do rio a caminhar lentamente para o mar,
Em mim as lágrimas da partida, e na noite o baloiço do navio, um balançar inconstante, e amargo, e depois adormecia e sonhava que corria nas ruas de Luanda pela mão do meu pai, e eu cansado, e nunca mais chegava ao fim, sentia que a viagem não tinha término, e hoje, hoje ainda sou uma criança em viagem que aguarda pelo regresso, o meu corpo cá, mas algo de mim circula pelo oceano, e mergulha, e vai ao fundo, e volta à tona,
- E quando o rio abraça o mar nas minhas mãos as algas agarram-se ao meu peito e que me puxam para o infinito, atravesso a linha, vou até à margem e sento-me, cruzo as pernas, entrelaço as mãos e vejo um navio silenciosamente que corre em direcção ao porto de abrigo, junto às grades uma criança a dizer-me adeus, o corpo do miúdo que quinze anos antes suavemente chegava a Lisboa,
Em mim as lágrimas da partida, e vai ao fundo, e volta à tona, e o pouco que resta da criança em círculos concêntricos na crista das ondas, uma saudade impressa numa finíssima folha de papel agarrada a sílabas dispersas, e este navio não pára de gemer e balançar na noite, acordado, olho o tecto do camarote, e pergunto-me, e pergunto ao meu pai,
- Porquê pai?
(texto de ficção)
Luís Fontinha
7 de Junho de 2011
Alijó