O vento aconchega-se-lhe nos ombros, a gola do sobretudo erguida até às orelhas pontiagudas, uns finíssimos fios de cabelo baloiçando na planície esbranquiçada da rua, nas entranhas das mãos um cigarro silencioso, finito, e a enganar a tosse, os prédios submersos nas nuvens cansadas da noite, o mestre João em passos milimétricos acompanhando o vai e vem das horas, a mão direita na algibeira, e num dos sapatos a biqueira de boca aberta, as calças amarrotadas pelos dias que não trabalha, aos poucos as palavras da noite anterior a dançarem na ardósia da memória, vamos colocar uma bomba na estação de comboios, este gajos são loucos, temos de forçar o governo a desistir e a fome é muita, na camisa um espaço em branco, a pele cinzenta da côdea de pão, meia dúzia de moedas fanadas no cofre da capela, e os santos sem fome, colocamos umas bombinhas e este cagarolas até se cagam, a direita é assim, quando começar a ver o rabo em ferida e a semear labaredas, ai que não mudam de politicas, mudam mudam,
- Desculpa o atraso, o transito está um caos,
Trouxeste tudo? Sim tudo, tenho aqui a caixinha, carregar no botão, carregar no botão e esperar, e PUM,
Era uma vez a estação de comboios, linhas e entrelinhas dispostas no encerado do pavimento, do rodapé janelinhas para a circulação de ratazanas, os inimigos dos governos, ao fundo uma sanita poeirenta, lavatório suspenso na parede encharcada de frases anti-direita, e no tecto,
- No tecto nuvens a desfazerem-se, produtos em fim de validade, metralhadoras embrulhadas em pijamas com listras, números junto ao peito, a enfermaria deserta, os medicamentos poisados no parapeito da janela, e em fila, alinhados por tamanho e cor, um revoltoso de arma em punho começa a disparar sorrisos e os comprimidos para emagrecer tombam, a gordura a escorrer pela fresta da porta, e PUM,
Como te chamas? Chamava-se…
Ai não que não mudam, e vão mudar tudo, o nomes das ruas terão de começar todos por P, privatizar todos os cagalhões de todas as fossas deste país, a chuva, que tem a chuva, a chuva vai ser privada, foda-se…, está fodido o agricultor pobre, o mar, também o mar? Tudo. Tudo privado.
- Até os nossos testículos vão ser privados,
E todos os rabos e peidas e toda a merda,
Viva este País!
- O transito está um caos e tinha medo que esta porcaria rebentasse…
(texto de ficção)
Luís Fontinha
17 de Junho de 2011
Alijó