Sou um gajo porreiro e esquisito escrevia ele na almofada da noite nua e escura, antes de adormecer,
O cigarro extingue-se no hálito da sanita e das nádegas assentes no bidé o peso amorfo do corpo dobrado, a cabeça presa a ventosas e silêncios pegajosos colados aos azulejos, com os olhos afugentava os risquinhos da separação, o espaço à volta de cada e azulejo e vazio, o pórfiro da mão separando o feldspato, separando o quartzo, e a mica, e a mica encastrada nas estrelas suspensas no gesso humedecido da neblina,
- Gosto está giro,
Ela estacionada na esplanada do café,
E em pequeníssimas dentadinhas absorvia as letras do Semanário “Expresso”, os artigos confundiam-se com a luz da tarde, os artigos desciam-lhe pela garganta, e picadelazinha aqui e picadelazinha ali, um arranhão na língua, e no estômago misturavam-se com a saliva incandescente da maré, ouvi o mar, e sabia que o mar nos intestinos em voltas e voltas, o vazio da voz,
- É preciso ter muita sorte dizia ela, andar nu em casa e cair e enfiar uma Nossa Senhora pelo rabo acima,
E eu não acredito em milagres quanto mais nos sonhos,
Sempre a noite que entra pela janela e o meu corpo degolado pelo cacimbo e o narguilé deitado ao meu lado de braços cruzados, isso são apenas sonhos diz ela,
- Quanto mais em sonhos,
Acende-se a luz do candeeiro,
As pernas descansam no comprimento de onda da noite e com a frequência de dois ais o chilrear do eléctrico descendo a rua, o cheiro a mijo junto à roulote das farturas, e antes de adormecer o sempre ritual da contagem das moedas e amanhã fodo-me, nem para o café dá,
- Um dia vamos ter a nossa casa de madeira junto ao mar,
Prometes?,
Sou um gajo porreiro e esquisito escrevia ele na almofada da noite nua e escura, antes de adormecer,
- Prometo!,
Dispenso os livros e a poesia e as palavras, mas não os teus braços,
- És tão parvo…
As gaivotas que se fodam,
Quando o narguilé pega na minha cabeça e lança-a à garganta do mar, e onde está Deus porra?, engolem-me os peixes nos dias cinzentos que poisam sobre o musseque, o cigarro quase extinto e a espuma mergulha na sanita, o autoclismo expulsa o que resta de mim,
- E nem dos sonhos,
Crescem algas na tua mão,
Porque a tua mão é uma pedra esquisita, porque a tua mão encosta-se à almofada antes de adormecer, e da noite nua e escura, finges não me ver pendurada no tecto; e brincamos na imensidão de terra infestada de flores selvagens, e não crescem algas na tua mão…