Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

26
Jun 11

O fruto do desejo dos lábios,

O beijo,

Quando na magríssima luz do dia a água derrete na pele silenciosa do corpo, das mãos finíssimas as carícias do banho, as pétalas impressas no tecido humedecido da tarde, as horas intermináveis da voz em pedacinhos desejos, a voz como uma agulha a enterrar-se no pescoço e os dentes mastigam as palavras e os dentes comem as palavras dos meus olhos, fico cego e apenas ouço o chapinhar da água nas paredes quadriculadas da casa de banho, o vapor esconde o corpo de pele silenciosa, e embrulhado na água o corpo em brasa, cintilante, as estrelas que espreitam pelo buraquinho da fechadura, e o corpo some-se na mingua textura da toalha, nua?,

- Não parvo estou a vestir as cuecas,

O guindaste puxa-as e a maré aos poucos junto às rochas,

A vela das coxas enrolada,

- Hummm pois és,

A vela das coxas enrolada na mão do marinheiro, o veleiro do corpo em círculos, e cada vez mais pequenos, o corpo apenas um ponto fixo sobre o mar dos lençóis, as rochas encolhem-se do vento e são atiradas para terra distante, os malmequeres olham o sol quando no peitoril da janela o beijo parece fazer-me sinais com os lábios, e percebo à distância,

- Porque és malandro…,

E não sou,

Eu que escrevo palavras?

- És mesmo parvo,

Palavras,

Que semeio na água do meu cachimbo e do fumo vêm todos os poetas que amei e que amo e que vou amar, todos excepto eu, eu nada, nem poeta, eu nada, nem escritor, eu apenas o guardião de sucata de aço que caminha sobre o mar, dou a entrada e a saída de barcos deixados ao abandono, trabalho no asilo dos barcos abandonados pelos marinheiros limitada, e com sede,

- Beija-me,

O beijo,

Nos lábios do desejo número vinte,

Lisboa,

- Não és uma pessoa complicada,

Complicada a vida dele,

Quando os barcos se recusam a tomar o pequeno-almoço, e quando os barcos rejeitam o jantar, e quando os barcos doentes?, o metalúrgico encosta a orelha à barriguinha do barco, ouve-lhe os roncos dos pistões corroídos pelo excesso de milhas náuticas,

- Mil oitocentos e cinquenta e dois metro do meu corpo,

Abraça-me,

Como se o dia terminasse hoje,

E a noite infinita dentro dos nossos corpos de aço; vamos conseguir recuperar este barco e voltará a sorrir junto ao Tejo.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:11

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