O corpo,
No ressequido orgasmo da manhã, as horas em silêncios dormentes, as pernas, que se esfarelam como migalhinhas de pão do dia anterior, e a rua, entupida de sombras que se abraçam aos candeeiros da tarde, o quarto absorve-o e as frestas da parede, sobre a cama, olham-no, cintila-lhe o corpo em segmentos de rectas oblíquos, o sol, cheiro miserável a cadáver esquecido no armário e espreita pela fenda do cadeado, gostas de cá andar?, pergunta-lhe ele enquanto procura as horas na algibeira, no mundo?, já gostei mais, quando os barcos brincavam no oceano, quando no verão me sentava à porta de entrada e a noite dentro da casa e as moscas misturadas em mim e na casa e na noite, sábado não posso,
- As coxas abandonadas em bancos de jardim nas mãos poisadas nos seios das árvores, o útero em combustão quando a menstruação abre a janela e do rio os petroleiros abraçados na dor de barriga, cabeça estonteada quando na noite a almofada em papel de mortalha enrola o tabaco dos fins de tarde, irrita-se comigo e fica chatinha, a neblina quando desce a calçada, quando um cão em três patas cospe o mijo contra os tornozelos dos móveis, a madeira na garganta do caruncho na garganta na película fina e branca da penicilina,
Não posso,
Subir a montanha e lançar-me como uma pedra até me cansar e imobilizar-me em segurança, pé na embraiagem das nuvens e na penumbra das algas procurar o travão das gaivotas, o corpo reduz a velocidade, o corpo encosta-se ao cais e a âncora das árvores as raízes que prendem o me corpo à terra fina e cansada e em sonhos sobre a cama atraco ao soalho de madeira, gostas de cá andar?,
- Quando o púbis empapado no vermelho da tela,
No corredor sem saída,
As portas não portas, desenhos nas paredes que fingem portas e o tecto de hora a hora desce um milímetro, o pé direito três metros de luz, o meu esqueleto cento e setenta e cinco centímetros de sombra, e é só fazer as contas, quase quase amassado e vai ao forno e bom apetite,
- Este odor a sangue quando os pincéis mergulham na paleta de cores do umbigo,
Três a quatro dias,
E a resposta teima em chegar, procuro-me nos perdidos e achados, e o meu nome não lá, nem me perdi e nem encontrado, desaparecido junto à avenida 25 de Abril de 1974, a senhora professora com o ditado da manhã,
Os pássaros são livres, e o mar é de todos e os rios voltam a correr para o mar, eu faço uma pausa e penso, e ontem os rios não corriam para o mar?, na Primavera as andorinhas com os sorrisos nos telhados do medo,
E a resposta teima em chegar, espero e desespero junto aos plátanos e os estorninhos em viagem,
- Vês já passou,
Tipo rotação da lua uma vez por mês,
O salário de um desempregado sem subsídio de desemprego, e espera-se pela transferência e nada, aguarde mais uns dias, já fizemos a transferência deve estar a receber a corda com o respectivo laço, depois, depois é uma questão de bom gosto na escolha da melhor árvore e acariciar as coxas abandonadas em bancos de jardim nas mãos poisadas nos seios das árvores, rijos, os dias de desespero.