O que espero eu da vida!,
O que a vida espera de mim,
Nada,
Um quarto de trigo de Favaios, a algibeira esvaziada no crepúsculo da tarde quando sobre os plátanos do jardim Dr. Matos Cordeiro emergem gaivotas à procura de mar, os barcos rabugentos, enferrujados, abandonados nas camas do Centro de Saúde, a doença é simples, diagnóstico velhice, cansaço da vida, quando a vida se cansa de nós, nos braços as dobradiças dos dias completamente entupidas de grãos de areia, o chilrear das noites quando as carcaças dos caixotes do lixo desaparecem no néon dos meses, o telefonema do amigo Delfim, paragem na escrita, a história suspensa, um café e dois ou três cigarros de amizade, regresso às palavras nauseabundas da tarde, regresso ao cansaço da tarde, o mar espera-me em Vila Real, e tenho medo das ondas, a maré entra-me pela boca desassossegada e na língua o seixo frio da serra, a sombra das árvores, os pássaros, o IP4 ziguezagueado nos vómitos do alcatrão, preciso de terminar, preciso de me despedir e as palavras absorvem-me, as palavras que prendem as minhas pernas, mas terei de estar às dezoito horas em Vila Real, penduro as palavras no cachimbo de água, e talvez na noite, talvez na noite voltem para a minha mão…