Ai senhor
Que fazeis vós
Nesta miserável casa
E semeada de ventos,
- Sombras, senhor, sombras,
Sem portas nem janelas
Despida no frio da serra
Senhor
Que fazeis debaixo do cobertor,
- Nada, senhor, nada,
E na parede um crucifixo
Misturado nas frestas
Nos velhos retratos de bolor
Que fazeis senhor,
- Ele olha-me, senhor, ele olha-me,
O canavial encostado ao rio, senhor, onde dormem corpos cobertos de espuma, silêncios de bruma, animal doméstico, o gato, senhor, as pétalas de rosa que mastiga ao pequeno-almoço, e em seguida, o sabor a alho, a terra misturada na saliva da tarde, o Fénix nos pulsos golpeados das árvores, batem à porta, senhor, carta registada e com aviso de recepção, o lápis suspenso na orelha, e senhor, os cigarros dormentes na mão de uma mulher, as gotinhas de suor que embaciam o fumo e o fumo deixa de ser fumo, então senhor?, o fumo nuvens de desespero, malmequeres adormecidos, raspadinhas no café da esquina, a saudável menstruação dos relógios a pinhas, ai senhor,
Ai senhor
As cadeiras e as gravatas
As correntes que amarram as pernas
E porquê senhor,
- Para não voares, senhor, para não voares,
E as pilhas na garganta da sanita, o vómito, porquê senhor?,
- Porque estais embriagado de palavras, senhor, porque estais embriagado de palavras.