Todos os dias,
Levantar
Comer
Lutar
Voltar a comer
Deitar
E adormecer,
Todos os dias,
O mesmo relógio de pulso
As mesmas horas esquecidas na mão
O mesmo corpo
A mesma solidão,
Todos os dias,
Os livros
As palavras
As letras
As minhas conversas parvas,
Todos os dias,
O sol
A noite a ser fodida pela lua
A insónia
A amargura nua,
Todos os dias,
Levantar
Comer
Lutar
Voltar a comer
Deitar
E adormecer,
Todos os dias,
Esperar a morte na paragem do elétrico
Cansar-me das sombras do néon da cidade
Meter a cabeça num alguidar de água salgada
Fingir que é o mar da saudade,
Todos os dias,
A ganância do dinheiro
Na economia enlouquecida
Sobe, sobe, sobe dinheiro cu acima
Sobe… e não tenhas medo da subida,
Todos os dias,
O espelho dormente
A boca cansada dos cigarros imaginários
O fumo que me entra nos ouvidos
E me sai pelos ovários,
Todos os dias,
O poeta que me mente
E afirma que o mar entra pela janela
Vai-te foder “AL Berto” porque pela janela só entra gente,
Todos os dias,
E moscas
E abelhas esfomeadas
Todos os dias
Palavras envenenadas,
Todos os dias,
O meu corpo emagrece
Diminui de tamanho
Inerte nos resíduos da rua
Todos os dias toma banho,
Todos os dias,
Asseado
Mal-educado
Fornicado
Esganado
Cansado
Triturado
Todos os dias,
Todos me fodem
Tos me querem comer
Todos e até os pássaros
Escrevem que vou morrer,
Todos os dias,
Luto para viver…