Este rio vai matar-me
E o meu corpo engolido pelos socalcos
Misturado no xisto em migalhas
Como o pão sobre a mesa
Este rio vai matar-me
E sinto o cheiro da podridão do cansaço
As curvas dos meus braços
Presas nos canaviais
Pardais sobre esta cabeça inclinada na tarde
Algas saltitando junto ao cais
As pernas alicerçadas no vento
Este rio é um verdadeiro tormento
A agonia desesperada das mãos calejadas
O peso silencioso da enxada
E os ombros que se escondem na sombra
O rio olha-me e quer matar-me
Alimentar-se da minha pele pegajosa
Das gotinhas amargas de pétala quando acorda
A manhã sonolenta e cansada
E as minhas mãos começam a voar
Perdem-se no rio que me quer matar
Voam desesperadamente ao infinito
E o comboio sem me olhar
Nos seus vagarosos passos de lesma
Este rio vai matar-me
E os socalcos engolir o meu corpo
As cinzas semeadas na terra gretada da tarde
Como o adubo no pé da videira…