O alicate da tarde a mutilar-me os dedos
Os resíduos dos cigarros aprisionados às minhas unhas
E da pedra de xisto onde me sento
A maré de suor que encharca as minhas nádegas poeirentas
Esqueço o cigarro nos lábios
E ele extingue-se
Subtraio um Ai à dor da cinza em brasa
E o pássaro que poisava no meu ombro foge
Esconde-se nas mãos da amoreira
E eu aos poucos adormeço na sombra
E finjo que chapinho a mão na água salgada do mar
E sinto um petroleiro que me entra pela garganta
Atraca-se-me ao estômago vazio
E a âncora agarra-se-me aos intestinos
De dentro de mim os arrotos das silabas
Contra as paredes da tarde
Cerro os olhos e sinto no pulso as horas em movimento
E o petroleiro a despejar o petróleo no meu corpo
O carbono evapora-se-me pelas narinas esquecidas nos cigarros
E percebo que dentro da minha cabeça voam borboletas
Abro os olhos
Olho-me ao espelho das mãos
Não vejo o alicate da tarde e à minha volta não existe mar
Estou sentado numa rotunda debaixo de uma amoreira…