Tenho livros para ler, tenho livros para olhar, e dentro de mim nascem palavras que se cansam numa folha de papel impressa na impressora da tarde, tenho comida (pequeno-almoço, almoço, lanche e jantar), e cama para dormir, e quanto a doenças as pequenas enxaquecas de um tipo de quarenta e cinco anos, depressão alguma e quase nada, e pouca coisa, e quanto dinheiro na algibeira as migalhas do costume,
De que me queixo?
Absolutamente de nada.
Tenho tudo comparado com os que não têm nada. Há quem não tenha comida, há quem lute desesperadamente pela vida, há quem não tenha casa nem cama para dormir, e há quem não tenha família, e eu, e eu orgulho-me de ter uma, há quem não tenha mulher para amar, e eu tenho uma e sou amado, e há quem não seja amado.
E há aqueles que não tendo comida, casa para viver, cama para dormir, família para abraçar, livros para ler e olhar, e que dentro deles não nascem palavras para escrever, e a doença come-os em pedacinhos a cada vinte e quatro horas do dia, e mesmo assim, mesmo assim lutam para viver.
E eu revolto-me porque não tenho um trabalho. E eles caralho? E eles que não têm nada?
E eu, estupidamente me queixo e me lamento.