E o vento deixou de soprar,
Os olhos dela que se alimentam das flores selvagens quando da montanha as palavras que se escrevem no chão como na velha e poeirenta ardósia da escola, incham e dilatam-se na sombra, e debaixo do musgo um infinito mundo de vida, as formigas penduradas nas letras do abecedário e nas linhas do destino o texto cresce, e torna-se livro, e mais tarde alguém o utiliza na lareira silenciosa da cabana junto ao rio,
Terra à vista, terra à vista, uma voz da multidão em gritos de águia, e a ilha Espanhola afunda-se-me nos olhos minguados dos meus seis anos de idade,
A esplanada sobe o poste de iluminação, e a lâmpada desce no seu vagar noturno até ancorar nas asas do tejo, do bico suspende-se um cacilheiro em manobras de diversão, a lareira da cabana sorri à mulher seminua que se passeia pela sala e do pavimento um livro disfarçado de cavaco à espera de ser lançado na fogueira,
Porquê? Pergunto-lhe eu, porquê margarida sabendo tu que eu amo os livros, ela abana-me a cabeça, disfarça o sorriso e nos lábios guarda um velhíssimo poema que construí no jardim à sombra dos velhos plátanos, e ela responde-me que eu é que envelheci porque os plátanos continuam no mesmo sítio e com as mesmas folhas, novas e alegres,
E talvez tenha sido eu que envelheci,
Talvez.
A ilha Espanhola em círculos concêntricos em volta de um sorriso magoado pelo poema mal construído, a voz dela inscrita nas minhas costas, Desculpa o que te vou dizer mas tu à sombra dos plátanos não sabias escrever!, respondo-lhe que sim, e tens razão digo-lhe eu, não sabia e ainda hoje não sei, não é qualquer um que sabe escrever, e eu, infelizmente não sei escrever…
Não chores!
Um dos seios espreita-me, e a esplanada acaba de descer do poste de iluminação, o cacilheiro atraca na Trafaria recheado de corpos imundos no suor do riso da tarde, e na montanha, dentro da cabana, ele esquecido nos cigarros e indeciso, não sabe se deita a mão ao seio ou salva o livro da lareira,
Talvez.
Talvez a ilha Espanhola nunca tenha existido, talvez os olhos minguados dos meus seis anos de idade também nunca tenham existido, e talvez, não sei, talvez nunca tenha existido poema mal construído nem montanha nem cabana nem plátanos nem ela nem seios nem livros na fogueira,
Talvez a única verdade seja uma esplanada alicerçada a um poste de iluminação e que se perdia nos sorrisos do tejo,
A esplanada subia, a lâmpada descia para esticar as pernas e fumar um cigarro, e o cacilheiro, esse, em travessias loucas entre Belém e Trafaria.
E no final do dia o enjoo quando acordava a noite, e o vento, o vento tinha deixado de soprar…