Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

03
Ago 11

Na procura dos finíssimos pingos de água da madrugada a trapezista e malabarista dona Joaninha mulher dos seus cinquenta anos e trinta de varizes e de enxada na algibeira sobe ao castelo, pendura-se no arame do nascer do sol e em equilíbrios mansos atravessa o teto da aldeia,

 

Subtrai as meias às pernas e liberta as coxas das cuecas ensopadas no suor dos seis mangalas que horas antes tinha consulado e recebido cinco euros por cabeça simplesmente para deixar que mãos embaralhadas de cerveja e amendoins poisassem nas mamas desgostosas dela, um deles pergunta-lhe se mais logo pode voltar, responde que não, Só para a semana, porque vou de férias com o meu marido!,

 

Palhaço pobre que à nascença foi apelidado de desgraçadinho e enquanto o senhor vigário preparava o batismo a menina Eulália rebolava-o pelos centímetros de toalha que adormecia no altar da capela e numa reza desequilibrada concluía Este tem a vida cortada e será sempre um desgraçado!, cresceu e fez-se homem e bastava olhar uma rosa e a pobre da rosa tombava e em dois ais desparecia da tarde, casa-se com dona Joaninha no intervalo de um espetáculo em cena no bairro junto ao cascalho e pedregulhos de uma aldeia do Douro e das cambalhotas da dona Joaninha no trapézio e das palhaçadas no palco do senhor Augusto nasce uma fera indomável e irritante que sumiu-se um dia por entre nuvens e rajadas de vento e que dizem as más-línguas que é marinheiro num casco velho encostado ao tejo,

 

Para a semana viemos, um dos magalas a despedir-se da dona Joaninha, e em conversa com a roulotte dona Joaninha explica-lhe que para a semana possivelmente estará noutra localidade, porque é assim a vida de artista,

 

O vento em línguas de desassossego e o corpo de dona Joaninha soluça sobre a torre da igreja, o arame chia na noite, cansada de ser apalpada por seis esfomeados fica indecisa, continuar até ao extremo, ficar em suspenso, ou lançar-se sobre o crucifixo metálico pendurado na torre da casa de Deus, e nem uma cisa nem outra,

 

Joaninha, tens aí cinco euros que me emprestes? Pregueava o senhor Augusto na convalescença entre um copo de tinto e uma garrafa de vodka,

 

E da enxada nascem asas numa estrutura de arame e revestidas a algodão, o corpo eleva-se e em pequeníssimos voos e em curvas apertadas percebe que a aldeia diminuiu e responde ao senhor Augusto,

 

Não, não tenho cinco euros.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:47

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