Saboreia na manhã o cachimbo em espuma do mar,
O fumo dilacera-se contra os ponteiros do relógio esquecido sobre a prateleira onde se abraçam livros, um barco rabelo em estanho, uma gaivota em marfim, e uma bola de cristal onde consulta os oráculos da vida, um cinzeiro de madeira encosta-se ao velho dicionário que há muito deixou de ter significado, e uma peça de louça representa uma batalha perdida com cavalos sonâmbulos e espadas de plástico, mais abaixo a bandeira de Angola e o cachecol do F. C. Porto, um busto Egípcio na sombra das pirâmides na procura das curvas do Nilo, e um crocodilo em pau-preto desembarcado em Lisboa e domesticado na paisagem do Douro,
O cheiro aromático do tabaco entranha-se-lhe nas mãos desgostosas de Agosto e uma tela suspensa na parede olha-o sem perceber que as acácias deixaram de florir e as árvores quando nasce o vento fincam os braços à tarde e não sorriem aos pássaros vindos das nuvens na busca de asilo,
Os barcos do Tejo passeiam-se dentro do minúsculo cubículo da saudade e na cidade acabada de acordar poisa levemente a manhã, sento-me nas ripas de madeira do banco de jardim e finjo olhar o rio engasgado nos detritos das gaivotas, crianças de sorriso esquecido brincam na relva incendiada pelo sol e na minha mão uma erva enfeitada de cordéis e lacinhos de seda mistura-se com o cachimbo em espuma do mar, e extingue-se nas manobras complexas de um cacilheiro,
No chão alguns livros aguardam o visto para a viagem até as prateleiras e enquanto a embaixada da literatura e o embaixador da minha pessoa não decidem, porque estas coisas têm o seu tempo, a mãe dele na pregação diária Quando arrumas os livros?, explico-lhe que não os posso arrumar sem ter toda a documentação necessária, passaporte, visto de entrada na prateleira e respetiva passagem de barco, e ouço o cacilheiro nas manobras complexas a atropelar um peão bêbado e com um saco de pétalas na mão,
Levanto-me do banco de jardim e corro até ao rio, o homem encolhido no suor da manhã está inconsciente e o saco de pétalas que com o embate se tinha rasgado padecia em pedacinhos de algodão, e as pétalas perdiam-se na água, do cacilheiro a voz do capitão Este gajos não sabem andar no rio!, e explicava-me que o semáforo estava verde e que o bêbado é que tinha de parar, e respondo ao capitão Parar se o homem é daltónico?,
O velhote em gemidos e ais Sei lá eu distinguir o verde do vermelho, a manhã da tarde, a noite do dia…