Não sou, nunca o fui, e nunca o serei, escritor e poeta,
Sou um miserável que todos os dias ao acordar abre os olhos e abraça-se na sombra do quarto, olho o espelho e pergunto-me Como será hoje o dia?, ninguém me responde e enquanto me desenrolo dos lençóis entram em mim as lâmpadas acesas no teto do céu, volto a perguntar-me E hoje, como posso chegar vivo quando acordar a noite?,
E claro que há sempre formas simples de sobreviver, cravar um café a um amigo enquanto conversamos de política, literatura ou apenas de silêncios, ou apenas de nada, e na digestão de dois ou três cigarros um maço de pura lã virgem aprece sobre a mesa, Este é oferta da casa!,
E dou-me por feliz porque às onze da manhã ainda estou vivo,
E mais um pouquinho em mistura de pequenas manobras de sobrevivência tenho todas as condições de quando chegar à cama voltar a olhar o espelho do quarto e segredar-lhe E assim se passou o dia, consegui!,
Visto o pijama e pego em Lobo Antunes, despeço-me da miséria e entro na ficção, e durante uma hora esqueço a minha vida, fecho pausadamente o livro, olho-o e digo-lhe Obrigado pela companhia e por me manteres vivo!, e levanto-me,
Adormeço o livro sobre a secretária ao lado do cachimbo de água, cerro a porta da biblioteca para que os sons dos meus sonhos não os perturbem, vou à casa de banho e sento-me no bidé, e enquanto assassino o último cigarro da noite olho para o mar que adormece dentro da sanita, e pergunto-lhe,
E amanhã, Luís, como será amanhã!