Deito-me homem
Levanto-me pássaro
E no intervalo
Entre o deitar e o levantar
Fico o mar…
Abro a janela e não sei voar
E ao deitar
Abro os braços e ajoelho-me
E não sei rezar
E entre o deitar e o acordar
Brinco com as gaivotas
E escrevo poemas nas vidraças,
Deito-me homem
Levanto-me pássaro
E a noite sem estrelas
E o sol a morrer,
E as escadas entupidas de sargaços
Engasgadas nos ponteiros do anoitecer
Abro os braços
E olho a lua a desaparecer,
O sótão que se afunda na escuridão
As escadas e os sargaços começam a voar
Deito-me homem
Levanto-me pássaro
E entre o deitar e o acordar
Fico o mar…
E ao levantar
Entra em mim a desilusão,
E pouca vontade de caminhar!