“Quando a mãe do poeta perguntava a si própria onde teria sido concebido o poeta, apenas três possibilidades entravam em linha de conta: uma noite no banco de uma praça ajardinada, uma tarde no apartamento de um amigo do pai do poeta, ou uma manhã num recanto romântico dos arredores de Praga.”,
“A vida não é aqui”, título de um livro de Milan Kundera, 1ª edição: janeiro de 1990, página 11,
E em 1990 eu acreditava que a vida não fosse aqui, coisas da juventude, sonhos que com o passar do tempo se transformam em pedacinhos de nada, mas hoje, hoje tenho a certeza que a vida é aqui, e que para alguns é boa demais, e para outros, madrasta, para uns é boa de mais porque coabitam com o oportunismo, umas vezes estão na margem esquerda do rio, e outras, outras estão na margem direita do rio,
Nada tenho contra os que atravessam os rios, pois foi precisamente para resolver esse problema que desde sempre se utilizaram barcos, pontes ou a nado, e o oportunismo tem limites, e em Alijó mete nojo, e então nos últimos vinte anos veem-se coisas que escrevendo ninguém acredita, lugares criados propositadamente para esta ou aquela pessoa, algumas delas do mais incompetente que existe, o doutorado em economia que vê passar à frente o licenciado, apenas porque um era genro de um alto dirigente do poder, e mais, e mais, e não interessa continuar, e não lhes bastando terem-se apoderado do Triângulo das Bermudas, querem agora assaltar as obras da Barragem do Tua, mas deixamos Alijó e voltamos ao que interessa, à juventude, aos sonhos, à poesia, a Milan Kundera, e felizmente que a prática de enviar os renegados para a Sibéria terminou,
E a vida é realmente aqui, injusta, e para aqueles que não se vergam, não dizem sim apenas porque alguém quer que ele diga sim, porque se eu tenho um copo na mão e mesmo que o meu melhor amigo me diga para eu dizer que é um cinzeiro, eu, eu simplesmente lhe respondo, Desculpe mas é um copo,
O problema de Alijó e de A vida não ser aqui é extensivo ao resto deste retângulo, o oportunismo, os políticos deixaram de desempenhar as funções para que foram eleitos, isto é, defender os interesses do povo, para à custa do povo resolverem os seus problemas familiares e pessoais, e mete o filho, e mete a filha, e mete a sobrinha, e mete a cunhada e mete o namorado da filha e mete a amiga do namorado da filha e mete o vizinho que andou a passear a bandeira e a receber cheques para andar na campanha eleitoral, vergonha, vergonha, e vergonha…
Kundera escreve lindamente, e sou apaixonado por ele, e aconselho vivamente a leitura deste livro, mas não posso concordar com ele quando coloca como título “A vida não é aqui”, claro que a vida é aqui e para alguns tem sido um sonho, ouro sobre azul…