Oiço-te, oiço-te na água da ribeira,
E ausentas-te em silêncios de noite,
Oiço-te, oiço-te quando entram em mim
Todas as sombras da montanha,
E as estrelas, e a lua, e a água da ribeira,
Oiço-vos nos cansaços dos meus braços,
Oiço-vos dentro do meu peito
Quando comboios de cigarros perfuram
Os meus pulmões de carvão,
E fios de aço
Suspendem-se na minha pele esbranquiçada
Com sabor a lixivia e a limonada,
Oiço-te, oiço-te no final do dia,
E das tuas mãos emergem silabas atónitas
E palavras complexas
E ruas sem saída,
Os edifícios crescem
E tocam o céu,
E oiço-te, oiço-te quando conversas com deus,
E ele, ele diz-te que sou um inadaptado,
Tu, pedes-lhe desculpa e rezas,
Eu, eu pego num livro do Pacheco e mando-o dar uma voltinha…
Porque estou farto,
Porque me sinto cansado,
Que deus me chame inadaptado,
Ex drogado,
E oiço-te, e oiço-te quando te escondes entre os lençóis
E consegues com ele um acordo justo,
Ele, ele deixa de me chatear,
E eu, eu finjo que ele existe,
Continuo com o Pacheco na mão…
E espero ouvir-te quando acorda a manhã…