A humilhação, o coração salta-me do peito e em pulinhos palmilha cada milímetro quadrado do teto da Segurança Social,
A vida é uma roda
Que gira e gira e gira
E não se cansa de girar
Uns dias ficamos no fundo
Outros dias, outros dias estamos no ar,
O meu corpo começa a encolher-se na cadeira e extingue-se na janela das traseiras, poiso os braços sobre a secretária, e eles, eles balançam como as árvores quando o vento em fúria tomba os barcos que atravessam o rio, tenho frio, e começo a transpirar, a humilhação, a humilhação de mendigar, e pedir o Rendimento Social de Inserção, e leio nos olhos dos que me olham Mais um chulo!,
A vida é uma roda
Que gira e gira e gira
E não se cansa de girar
Uns dias ficamos no fundo
Outros dias, outros dias estamos no ar,
E eu pensava, E agora?, quem me vai ajudar a colocar o meu coração novamente no peito, e eu olhava o teto, e ele saltava, saltava, e ninguém, ninguém ao meu lado para lhe deitar a mão, e descobri, descobri que às vezes precisamos de correr, e correr, e eu, e eu deixei-o pular e pular, até que quando se cansou regressou, desceu do teto, e em passos de anjo entra-me no peito, e voltou a palpitar,
A vida é uma roda
Que gira e gira e gira
E não se cansa de girar
Uns dias ficamos no fundo
Outros dias, outros dias estamos no ar,
E mesmo que digam que a loucura entrou dentro de mim, eu acredito, eu acredito que o céu voltará a ser azul, que o mar voltará a ter ondas e espuma e maré, e que sobre mim vão voltar a voar as gaivotas, e os barcos, os barcos vão voltar ao estuário da minha vida, e os pássaros voltarão a poisar na minha janela e a acordar-me todas as manhãs, como há muito tempo atrás…