E há dias assim, em que nos arrependemos de ter acordado, dias em que não apetece fazer nada, estar vivo, dias assim, dias em que não queremos ver as árvores, olhar o céu, e há dias em que dava tudo para que não existisse céu, luz, noite, pássaros, e pessoas, e há dias assim, e para uns são passageiros e logo em seguida o sol a brilhar, os pássaros a cantar e as flores a sorrirem, e para outros, e há dias assim, dias eternos e que nunca mais terminam, dias que se transforma em semanas, messes, anos,
Pergunto-me se o calendário não será igual para todos, e há dias assim, e alguém me responde que não Não, o calendário não é igual para todos, e há dias assim, que o nosso cão nos irrita, os livros não passam de um embuste e às vezes apetecia-me transportá-los para o quintal, e há dias assim, fazer uma pilha de livros, e eu a sorrir, e alguém rebate a minha frase Que lindo uma pilha de livros, e depois de os acender com um combustível qualquer, sentar-me e olhar cada pedacinho de página a arder, e ficar em migalhas de cinza,
E claro que ninguém, às vezes, ninguém mata os próprios filhos, e os livros são os meus filhos, e há dias assim, e claro que eu era incapaz de queimar os meus livros, e se dessem para comer, porque há dias assim, eu queria morrer à fome, não conseguiria comer os meu próprios livros, os meus filhos, porque há dias assim e não se comem os filhos,
E há dias assim, dias em que nos apetece berrar bem alto, atirar com um paralelo contra uma montra, e há dias assim, ou simplesmente ficar sentado num banco de jardim e conversar com os plátanos, e há dias assim, tristes, e há dias assim, alegres, e há dias assim, dias de monstruosidade, mas independentemente dos meus dias, ninguém, ninguém tem culpa, e há dias assim, nem a nossa raiva devem servir de desculpa para nada, e há dias assim,
E há dias assim, os dias sempre iguais aos dias assim de ontem, e eu sem espaço para guardar tanta fotocópia, e há dias assim, fotocópia de fotocópia, e há dias assim,
Dias de inferno.