Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Ago 11

O limite da sombra quando o mar tende para o infinito, os dias que entram pela minha janela e escondem-se junto ao rodapé, um cigarro aceso no sofrimento da dor, o limite da sombra na minha mão quando na ardósia da tarde escrevo Estou farto, cansado, desiludido, Estou farto!, escrevo quinhentas vezes, e escrevo, e escrevo Estou farto!, e no final obrigam-me a repetir o castigo, comecei em um, e dizem, e dizem-me O zero também é número, e repito, e cansado, as mãos poisadas no chão incandescente do sol de agosto, o asfalto derrete-se em mim, fico colado ao pavimento, e subo e desço, zero um dois três quatro, e eu penso Nunca, nunca vou conseguir chegar a quinhentos,

 

Cansado, desiludido, os dias extinguem-se nos furos do cinto, e cada vez mais magro, e cada vez mais desiludido, cansado, e desiludo com tudo o que me rodeia, com o sol, com as nuvens, com as flores, e escrevo Estou farto!, quinhentas vezes, mil vezes, preencho na totalidade a ardósia da tarde, a tarde mingua e desaparece, e eu, e eu aqui sentado a olhar para livros desfeitos em cadáveres, o cheiro intenso a podre das folhas enrugadas, e escrevo na ardósia da tarde Estou farto!, quinhentas vezes, mil vezes, duas mil vezes,

 

O limite da sombra quando o mar tende para o infinito, as árvores quando se deitam sobre os lábios dos relógios e de pulsos rabugentos gritam Estou farto!, cansado, desiludido com tudo, e os pássaros que poisam nos meus ombros, e pesam, e não me deixam caminhar quando sobre a mesa da cozinha um prato de sopa me espera e me diz Estás tão magro, francisco, fico calado, e um prato de sopa me espera quando o néon do teto cai sobre mim, brilham estrelas, acendem-se todas as luzes do céu, chove, começa a chover sobre o meu corpo, e gotinhas de água alicerçam-se no meu peito, o coração começa a diminuir as pulsações e de cento e vinte por minuto, aos poucos, aos pucos dou-me conta que neste preciso momento a minha pulsação é de três pulsações por minuto, ainda respiro, e deixo de ver o prato de sopa,

 

E a cozinha tomba ribanceira abaixo, e em voo retilíneo cai sobre as rochas junto ao mar, o coração salta do meu peito, e cessa de bombear a saliva da minha garganta,

 

E as gaivotas começam a comer o meu corpo em minutos de almoço.

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:30

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