Quando vivia em Luanda, o meu vizinho tinha pendurado na parede da sala um azulejo com a seguinte frase “Quem nesta casa entrar tem que ver, ouvir e calar”, e é verdade que nessa época não sabia ler, e ainda hoje não sei ler, mas esta estória foi-me repetidamente contada pela minha avó materna e posteriormente pela minha mãe, e sinceramente nunca percebi o significado do azulejo do senhor faustino que pendurava religiosamente na parede da sala no bairro Madame Berman, em Luanda, e finalmente, finalmente hoje percebi a razão do tão afamado azulejo,
“Quem nesta casa entrar tem que ver, ouvir e calar!,
Morri,
Um palerma qualquer corta-me a barba, e sempre detestei cortar a barba, começam a vestir-me um apaneleirado fato escuro com risquinhas brancas, e eu que sempre detestei fatos, e resmungo Estes tipos estão a fazer tudo ao contrário!, Não, não quero flores, de que me serve levar flores no meu enterro se já estou morto?, Missa?, Missa, não, não quero, nunca quis…, o palerma calça-me os sapatos, bicudos e de verniz, e começo em ais e uis, aleijam-me, resmungo com o palerma Oiça lá seu palerma, Eu nunca gostei de calçar sapatos novinhos em folha!, Gravata?, Não, não quero, e nunca usei!, e quando criança desejava ter um irmão mais velho que calçasse os primeiros dias os meus sapatos novinhos em folha e vestisse a primeira semana a minha roupa a estriar, e começo a sentir comichão, ou é alergia ao fato, ou é alergia à gravata, ou é alergia aos sapatos, e o palerma debruça-se sobre mim e diz-me Pode ser alergia ao caixão!, pois não sei mas já estou farto de estar deitado entre quatro tábuas de pinho, porque o pinho é mais baratinho,
Morri,
“Quem nesta casa entrar tem que ver, ouvir e calar!,
E era só o que me faltava, todas estas beatas em lágrimas, Suas putas, quando passavam por mim arreganhavam-me a dentadura e nas minhas costas, nas minhas costas Este gajo é um filho da puta…!, e agora com lágrimas de crocodilo?,
E faltava cá este, eu com os meus pensamentos, só faltava este com a caldeira da água benta, e tudo ao contrário, tudo ao contrário, sempre disse que não queria missa, padre, flores, pessoas a acompanharem-me, nada, porque não me fazem como fizeram ao Beethoven, Porquê?, o senhor padre ouve um pequenino murmúrio que saltita do caixão e pergunta-me Que tem o Beethoven?,
E eu respondo-lhe que o Beethoven quando entrou no cemitério apenas levava um cão a acompanhá-lo, Serio, diz-me o senhor padre, Sério, respondo-lhe eu,
Tão sério como eu estar neste momento aqui deitado e enrolado em quatro tábuas de pinho,
Morri,
E quando o palerma fecha as portadas do meu caixão grãozinhos de poeira se espalham pela sala onde me encontrava sepultado, e uma frase fica no ar, a boiar, a boiar, a boiar,
“Quem nesta casa entrar tem que ver, ouvir e calar!
(texto de ficção)