O desemprego bateu-lhe à porta, uma filha para alimentar e a mulher diariamente engasgada na tosse, medicamentos para isto, medicamentos para aquilo, e nada, a tosse ouvia-se ao fundo da rua.
Erguia-se às cinco da manhã, apanhava o comboio rumo à cidade e de porta em porta, às vezes levando com a porta nas bentas, começava o dia na busca de um trabalho, qualquer coisa para alimentar a filha e medicamentos para a mulher, e ele, ele desenrascava-se, um cigarro aqui, outro ali, um cafezinho para aquecer as mãos, e sempre alguém se solidarizava com ele, ele o infeliz, e quando chegava a casa, mais morto do que vivo, as lágrimas corriam-lhe nas fuças quando a filha,
- pai tenho fome,
E ele nada tinha para que a Marta ficasse em silêncio,
E a mulher,
- encontraste alguma coisa?
Não nada.
- E tu como estás da tosse?
Tou nas mesma…
Murmurava dentro de si,
- raios me partam esta vida desgraçada,
Adormecia de barriga vazia, adormecia angustiado por deixar de escrever e pintar, e acordava sempre com a esperança que amanhã encontraria trabalho,
- amanhã tenho a certeza que vou encontrar,
Sonhava durante a noite com nuvens cansadas e que o sol tinha desaparecido, e às vezes via a Marta pendurada numa árvore, disfarçada de gaivota e dizia que ia voar,
- pai vou voar,
E o pai acordava todo suado e a Margarida entupida na tosse.
Descia a rua, crava um cigarro e na montra “precisa-se de Eonista” e enquanto estrafegava o cigarro pensava o que seria eonista, entra no estabelecimento e uma mulher gorda pergunta-lhe,
- bom dia, diga se faz favor,
E ele meio engasgado explica à senhora que vem pelo letreiro da montra e que não sabe muito bem o significado de eonista, a gorda sorri-lhe e explica-lhe que apenas tem de se vestir de mulher e fabricar um espectáculo das vinte e três horas às duas da manhã,
- só isso?
Só isso.
- E dinheiro?
Pagamos cento e cinquenta euros por noite,
- cento e cinquenta euros?
Sim.
Disse que sim á senhora, vendia as telas e alguns dos seus livros, ia à loja do chinês comprar os acessórios necessários e nascia a Marilu; Marilu, a rainha da noite.
Marilu
23 de Fevereiro de 2011
Lisboa