Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

28
Fev 11

 

A lentidão sonora dos teus beijos
Nos meus lábios de pergaminho
O teu sorriso pétalas ao vento
Voando no meu infinito como um passarinho,
 
A manhã sem acordar
E as minhas mãos poisadas no teu peito,
A manhã dormindo profundamente,
Ausente, sem jeito.
 
Os meus lábios em busca da tua mão
Que algures se perde no meu corpo cansado,
A manhã continua dormindo
E o sol… não há notícia de ter acordado…
 
A lentidão sonora dos teus beijos
Nos meus lábios de pergaminho
E da janela entreaberta nasce o silêncio
Acorda a manhã com soninho,
 
Começa a gatinhar por entre os teus seios
E na minha mão cresce uma begónia…
Meu deus… tanta luz que jorra dos teus olhos,
E eu, submerso na insónia.
 
 
Luís Fontinha
28 de Fevereiro de 2011
publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:13

publicado por Francisco Luís Fontinha às 13:44

 

As tintas agarradas à tela que nas sombras das águas furtadas a minha mão espalhava como se acariciasse a relva acordada em manhãs de primavera, ele escondia-se dentro do guarda-fatos e este sacudia-o em repentinos solavancos, e os solavancos em soluços à espera da chegada da noite.
Pássaros cansados suspensos nas tílias e das águas furtadas seminuas, apenas um divã, um guarda-fatos onde ele se escondia, e uma cadeira desencontrada no tempo, as telas, pincéis, tubos de tinta vazios e pouca coisa mais, e lixo. Ele um miserável e dias tinha que nem vinte cêntimos na algibeira, e as tintas aos berros,
- é por isso que ninguém se apaixona por este teso…
E os pincéis,
- miserável,
E dos tubos vazios nasciam silêncios e estes agarravam-se à tela, abraçavam-na e aos beijos olhavam as tílias, os pássaros suspensos, e os pássaros suspensos à espera de um carinho, um simples olhar, e passavam horas em sonhos irrealizáveis, sonhos,
- um dia vou ter umas águas furtadas não de brincar mas das outras, as de verdade, com muitas telas e tintas e pincéis e divãs e não guarda-fatos porque depois já nãp preciso de me esconder, e uma mulher que me ame e que me deixe pintá-la,
Sonhos,
Sonhos de pássaros suspensos em tílias, e ele já nem vinte cêntimos no bolso, metia a mão na algibeira, nada, conforme entrava assim saia, e a tela,
- tenho fome,
E os tubos vazios de tinta,
- um cigarrinho,
Um cigarrinho para matar a saudade de outros tempos, e fumo nada, apenas a claridade da rua, e cinquenta degraus, e umas águas furtadas de brincar, e o lixo pendurado junto à porta da entrada, e os pincéis,
- uma moedinha para o cafezinho,
Um cafezinho porque as tintas agarradas à tela que nas sombras das águas furtadas a minha mão espalhava como se acariciasse a relva acordada em manhãs de primavera, e a primavera ainda tão distante, e só amanhã, hoje não, hoje só chuva, só frio, só umas águas furtadas de brincar, e pássaros suspensos nas tílias com sonhos, e sonhos nada, nem vinte cêntimos na algibeira,
- miserável,
Miserável o guarda-fatos aos solavancos à espera dos soluços da noite…
 
(Texto de ficção)
 
Luís Fontinha
17 de Fevereiro de 2011
publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:54

 

O meu corpo emagrece
Ao compasso das horas em desespero
Ao fundo da rua
Deus olha-me
Ou finjo não o ver
Deus zangado comigo
E aos berros
Apenas percebo que me insulta
 
Tenho vergonha e escondo-me nas sombras
E das sombras escrevo poemas
Deus ignora-me
Deus decididamente não gosta de mim.
 
Chamo o teu corpo de seios ao léu
E junto ao rio
Passo-lhe a mão
E percebo que o teu corpo não é uma tela
 
É um reflexo de pétalas
Que se esconde no meu jardim
E deus deseja-te
E eu desejo-te como se fosses um silêncio
 
Uma madrugada inacabada.
Tenho fome
Tenho medo da noite
E da tua voz emerge o desejo
 
E deus
Despede-se do teu corpo…
E no teu corpo escrevo pacientemente…
Amo-te; porque te amo eu?
 
 
Luís Fontinha
27 de Fevereiro de 2011
Alijó
publicado por Francisco Luís Fontinha às 02:36

 

Ele falava com as árvores e dizia que atravessava paredes, ele sentado junto a uma oliveira, fumava cigarros de enrolar e desesperava na esperança que um gavião lhe dissesse boa tarde.
E boa tarde nenhuma.
O poço junto a ele encolhido na saudade, e a saudade em passos apressados caminhando em sentido contrário ao dele, e quando chegava junto ao extremo da leira, acenava-lhe, e o António de mãos à abanar,
- que faço eu aqui sentado,
O filho escrevia frases na terra comida pelo sol, e o António preocupado, pois o Miguel nunca tinha ido à escola, como poderia saber escrever?
Sem que o filho percebesse começou a ler em voz semi-baixa,
- as minhas mãos cansam-se no teu rosto quando a chuva miudinha submerge os teus cabelos de Outono, e ao fundo da rua, junto à esquina da pensão, um girassol abraça-me, beija-me, e no seu sorriso está escrito a palavra mar…
E enquanto enrolava um cigarro o medo comia-lhe as mãos, tremulas devido ao que acabava de ler, como era possível o Miguel apenas com cinco anos já saber escrever, e ele que só tinha a instrução primária não entendia o que estava escrito na terra,
- o meu filho só pode estar doente…
E o filho repentinamente,
- Pai, o que são protões?
E o pai com rosto de parvo,
- Quê?
E o Miguel despreocupado,
- Protões pai, o que são?
Sei lá o que é essa coisa…
Ele falava com as árvores e dizia que atravessava paredes, ele sentado junto a uma oliveira, fumava cigarros de enrolar e desesperava na esperança que um gavião lhe dissesse boa tarde, e a única preocupação era que tinha de acordar todos os dias às cinco da madrugada e andar todo o dia com a focinheira na terra, e de protões nunca tinha ouvido falar na vida.
O miúdo levanta-se em passos lentos e dirige-se ao pai, e apenas com o olhar diz-lhe,
- sabes pai ontem falei com a lua…
E o senhor António aos berros…, foda-se…
- que foi pai?
Queimei-me com o cigarro…
 
 
Francisco
19 de Fevereiro de 2011
Alijó
publicado por Francisco Luís Fontinha às 02:31

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