Sinto-me supérfluo e as rosas do meu jardim
Em revolução,
Em protesto pelo pão
Dissolvido em pétalas longe de mim,
Escondidas nas sombras que da minha mão
Acariciam infinitamente a terra prometida,
Uma rosa amarela na ânsia da partida
Despede-se do meu coração…
Abraça-me e oferece-me um beijo
E dos meus lábios acorda a madrugada,
Sinto-me supérfluo e a rosa amarela cansada,
Sem pão, à espera de um desejo.
Luís Fontinha
1 de Março de 2011
Do meu imaginário encontra-se estacionada uma ida ao circo em Luanda, a alegria de ver os palhaços, que tal como na vida, o palhaço rico e o palhaço pobre, o ser humano rico e o ser humano miserável, os meus movimentos suspensos na bancada, o dinheiro era pouco e não dava para sentar o meu rabinho em cadeiras de luxo, aí luxo, eu, palhaço pobre, mas feliz,
- A trapezista em fuga,
O baleizão. Na esplanada do baleizão ao final da noite, depois do circo, o desejo de um gelado, a alegria de olhar os machimbombos em horário ordenado, e eu em Lisboa a gritar por eles, e eles indiferentes a mim, e o taxista com cara de parvo por eu chamar aos autocarros machimbombos, coisas de criança, lembranças de África.
- Em fuga da miséria a que estava habituada, ele tantas coisas, ela quase nada, ele apaixonado por ela, ela a ensaiar coreografias no trapézio, talvez de estômago vazio, ele sorria de cabecinha para o ar,
Olha um machimbombo.
O machimbombo passava apressadamente numa Lisboa em construção, virava a cabecinha para mim e num sorriso de criança,
- A trapezista enviava-lhe beijos à distância, ele acenava-lhe e prometia-lhe sossegos, ela respondia com beijos, e durante a noite, ele, o menino do circo, sonhava com a trapezista que voava sob as árvores estacionadas na primavera,
Num sorriso de criança que deixei enterrado junto ao capim, e que hoje, já nem o cheiro recordo, o cacimbo a apoderar-se de mim, a sombra das mangueiras, a terra húmida acabada de tomar banho,
. Ele seis quilómetros a pé na peugada de um circo miserável, ambulante, porque uma trapezista em coreografias arriscadas, na noite, à noite, enviava-lhe beijos suspensos na noite,
Hoje, o circo é outro. O palhaço pobre ficou esquecido na madrugada tal como os machimbombos ficaram estacionados numa Luanda adormecida. Hoje, o circo é outro, e deste circo não gosto, são muitos os palhaços, são muitos os palhaços ricos…
Luís Fontinha
7 de Janeiro de 2011