Ele não sombra empoleirada nos ramos dos plátanos, ele triste caminhando em diagonal como se fosse um fecho éclair, e da rua os não sorrisos à espera do luar, e o não luar aos desesperos que em breves momentos se dirigiam ao silêncio em passos adormecidos, e das sílabas ele,
- estive sempre aqui, porquê?
Apenas o espelho do guarda-fatos lhe escrevia sorrisos nos lábios, e ele semicerrava os olhos numa constante agonia, sofria com o cair da noite, e no cair da noite construções de olhares à espera das lágrimas junto às roseiras, uma abelha brincava nas pétalas e nas pélas ele escrevia textos que à partida tinha a certeza que jamais iam ser lidos, lixo, textos lixo, ele lixo, e dentro de um contentor de madrugadas preso nas manhãs quando chovia, e hoje não chove, e hoje uma abelha saltita nos lírios do campo, o campo deserto, e ele engasgado na escuridão,
- estive sempre aqui…
Para que servem os amigos?
Aos poucos tremiam-lhe as mãos, e aos poucos os duzentos e seis ossos do seu corpo começavam a transformarem-se em pó, e do pó ele recordava,
- o meu corpo rangia na madrugada fria e longa, o meu corpo tremia e nada que eu pudesse fazer, e eu sabia que com uma simples prata de alumínio tudo passava, e o meu corpo feliz, e uma simples bolha castanha em corridas apressadas, ora para cima, ora para baixo, eu guloso, o tubo a pingar de barriga cheia, e eu aos poucos a transpirar dores de costas, o frio passava e a diarreia terminava a leitura dos textos de literatura,
Para que servem os amigos?
Estive sempre aqui sentado, quieto, imóvel, um perfeito inútil, e os petroleiros apressadamente junto à barra gritam-me e eu sem paciência para os petroleiros, eu lixo que escreve lixo, e do lixo alimento-me quando acordo, não tenho fome, nunca tive fome, estive sempre aqui empoleirado nos ramos dos plátanos, e sobre outros ramos pássaros a despejar porcaria na minha cabeça, eu lixo, ele triste à espera do pôr-do-sol, e o pôr-do-sol hoje não vem,
- porquê?
- o frio passava e a diarreia terminava a leitura dos textos de literatura, e a literatura lixo, e hoje não chove, e hoje não heroína, e hoje eu quem sou?
Ele permaneceu imóvel junto ao cais, não barcos, não pôr-do-sol, e felizmente, hoje e há muito tempo, não heroína…
- Estive sempre aqui…
(texto de ficção)
Luís Fontinha
10 de Março de 2011