Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

10
Mar 11

Ele não sombra empoleirada nos ramos dos plátanos, ele triste caminhando em diagonal como se fosse um fecho éclair, e da rua os não sorrisos à espera do luar, e o não luar aos desesperos que em breves momentos se dirigiam ao silêncio em passos adormecidos, e das sílabas ele,

- estive sempre aqui, porquê?

Apenas o espelho do guarda-fatos lhe escrevia sorrisos nos lábios, e ele semicerrava os olhos numa constante agonia, sofria com o cair da noite, e no cair da noite construções de olhares à espera das lágrimas junto às roseiras, uma abelha brincava nas pétalas e nas pélas ele escrevia textos que à partida tinha a certeza que jamais iam ser lidos, lixo, textos lixo, ele lixo, e dentro de um contentor de madrugadas preso nas manhãs quando chovia, e hoje não chove, e hoje uma abelha saltita nos lírios do campo, o campo deserto, e ele engasgado na escuridão,

- estive sempre aqui…

Para que servem os amigos?

Aos poucos tremiam-lhe as mãos, e aos poucos os duzentos e seis ossos do seu corpo começavam a transformarem-se em pó, e do pó ele recordava,

- o meu corpo rangia na madrugada fria e longa, o meu corpo tremia e nada que eu pudesse fazer, e eu sabia que com uma simples prata de alumínio tudo passava, e o meu corpo feliz, e uma simples bolha castanha em corridas apressadas, ora para cima, ora para baixo, eu guloso, o tubo a pingar de barriga cheia, e eu aos poucos a transpirar dores de costas, o frio passava e a diarreia terminava a leitura dos textos de literatura,

Para que servem os amigos?

Estive sempre aqui sentado, quieto, imóvel, um perfeito inútil, e os petroleiros apressadamente junto à barra gritam-me e eu sem paciência para os petroleiros, eu lixo que escreve lixo, e do lixo alimento-me quando acordo, não tenho fome, nunca tive fome, estive sempre aqui empoleirado nos ramos dos plátanos, e sobre outros ramos pássaros a despejar porcaria na minha cabeça, eu lixo, ele triste à espera do pôr-do-sol, e o pôr-do-sol hoje não vem,

- porquê?

- o frio passava e a diarreia terminava a leitura dos textos de literatura, e a literatura lixo, e hoje não chove, e hoje não heroína, e hoje eu quem sou?

Ele permaneceu imóvel junto ao cais, não barcos, não pôr-do-sol, e felizmente, hoje e há muito tempo, não heroína…

- Estive sempre aqui…

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

10 de Março de 2011

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:23

Não sei o que te dizer

Quando as nuvens mudam de cor

E no céu crescem rosas amargas,

Não sei o que te dizer

 

Sabendo eu que estás a sofrer,

E eu, aqui sentado,

Entretido com a pintura, e mergulhado na poesia…

E tu, limpando as lágrimas do sofrimento.

 

Não sei o que te dizer

Quando o teu corpo padece de mim

E nas minhas costas habitam fantasmas

De uma outra galáxia,

 

E personagens de literatura

Pedem-me silêncio,

E eu, sem saber o que te dizer…

E dos meus lábios em revolta

 

Grito para todos ouvirem;

Não sei o que te dizer,

Tão pouco se queres que eu diga alguma coisa…

E aconteça o que acontecer,

 

Começo a saber o que te dizer,

- estou aqui e não te vou deixar cair.

 

 

Luís Fontinha

10 de Março de 2011

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:16

Na minha infância tive um amigo, um boneco, a que dei o nome de chapelhudo.

- Avó, cuidado com o meu chapelhudo…!

O meu sofrimento ao ver o meu boneco favorito misturado com as folhas de mangueira espalhadas pelo quintal, dispersas aqui e além, como se fossem a madrugada a acordar. E lá ia eu, a correr contra o tempo, tirar o meu chapelhudo das folhas para que a minha avó não o deitasse para o lixo. Mas às vezes, só me lembrava dele quando o via inerte misturado com as folhas. E ainda hoje não percebo porque lhe dei esse nome… talvez porque tinha um chapéu grande…; talvez.

E o silêncio abundava no meu pensamento. Passava horas seguidas deitado no chão, e de barriga para o ar, imóvel, olhava para os aviões que passavam a baixa altitude. E sei que nessa altura não tinha a noção do tempo e do espaço. Para mim era tudo em linha recta, sem curvas.

- Pai, leva-me a ver os aviões.

E lá ia eu com o meu pai ao domingo de manhã até à pista do aeroporto olhar pensativamente o levantar e aterrar dos aviões. Tudo parecia tão distante, tão longínquo…, e na minha inocência, acreditava que eram pássaros voadores. Pelas ruas de Luanda escondia-me na mão do meu pai, e nos machimbombos que passavam apressados, acreditava que o meu avô conduzia um deles. Passávamos pela Maria da fonte que neste momento no seu pedestal existe um tanque de guerra…, e acabava a manhã no Porto de Luanda a ver os barcos atracados no cais e as pilhas de contentores que se amontoavam pelo porto. E o cheiro? Que saudades.

Duas paixões: aviões e barcos.

Como eu gostava dos Domingos!

As idas à praia do Mussulo que a principio eram uma gritaria para mim. Eu agarrado ao pescoço do meu pai com medo à água.

- Pai, tenho medo…., não quero.

E só regressava a casa ao fim do dia quando o sol começava a desaparecer no horizonte e aos poucos, o anoitecer acordava dum sono equidistante e pessimista.

E havia domingos que ia aos Coqueiros ver o hóquei em patins ou durante a semana, após o jantar, assistir aos treinos. E os gelados do Baleizão? Ai que saudades…

- Mãe, faz-me um papagaio de papel!

E nas tardes que eu não encontrava distracção, lá ia ter com a minha mãe para brincar comigo. Construíamos papagaios de papel. Que depois com a ajuda dela, o via aos saltinhos no Céu azul, transparente e límpido, até que o cordel acabava, e o papagaio saltitava de um lado para o outro, prisioneiro da minha mão.

Que saudades!

- De Luanda?

Sim…, de tudo.

- Eu também! Eu também…

 

 

 

Luís Fontinha

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:27

 

 

O meu blog, cachimbo de água (http://cachimbodeagua.blogs.sapo.ao/) está em destaque no Sapo Angola. Agradeço à equipa dos blogs Sapo Angola, aos leitores Angolanos, e fica aqui a promessa de continuar e fazer cada vez melhor.

Obrigado a todos.

 

 

Luís Fontinha

10 de Março de 2011

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:28

 

 

MiLove

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:14

Venda de quadros pintados à mão (acrílico sobre tela e óleo sobre tela) e feitos em computador no endereço:

 

(http://milove.blogs.sapo.pt/)

 

 

Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 13:48

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