Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Mar 11

Cento e cinquenta euros por noite, com duas danças acrobáticas no palco, um sorriso nos lábios encharcados de batom encarnado, e da cabeça a fervilhar de poesia uma cabeleira loira, postiça, duas voltinhas apenas e levantar a saia, Marilu chegava a casa estafada, ele ia apontando no suor das mãos pequeníssimas frases, que quando ema casa, já madrugada, construía poemas nas paredes em lágrimas, e a Marta a essa hora andava sorridente pelas nuvens, dormia, sonhava, sonhava com comida, mas dos cento e cinquenta euros do pai apenas ficavam migalhas, Margarida furiosa com o Vicente, Marilu despegava da noite, Vicente de orgasmos espasmos em sílabas,

- não é fácil ser-se eonista e poeta,

Não é fácil ser-se Vicente nas ruas amontoadas de sombras aos encontrões no desespero, Margarida entupida na tosse mais parecendo a tempestade dos finais de tarde em Luanda, Marilu sonhava, Marilu tinha projectos para o futuro, mas do futuro apenas regressava miséria, não é fácil ser-se Marta, e a Marta na ausência do pai,

- pai, tenho fome,

Tenho fome e tu vestido de mulher, tenho fome e dos teus cento e cinquenta euros nada, népia, e sabes?

- na minha ilha deixou de haver madrugada, os pássaros escondem-se nas grutas, o sol nunca mais acordou, e a lua, a lua nunca mais a vi, acreditas?

Acredito que me afundo aos poucos na saudade de ontem, acredito que um dia vou conseguir, mas hoje não me apetece, hoje cansado, hoje cansada de andar em saltos altos e arreganhar os dentes para uns palermas que na primeira fila queriam apalpar-me as maminhas postiças, hoje acredito que a Margarida,

- e não trazes comida hoje?

E hoje eu cansado, hoje não,

- comprei uns livros, telas e tintas, estava a precisar…

Hoje não.

- Pai, tenho fome.

Hoje não.

Hoje não palavras dentro de mim, e hoje não a Margarida,

- e não trazes comida hoje?

E ontem eu afogado nas palavras, subiam-me corpo acima e puf… as sílabas escarrapachadas nas paredes em lágrimas,

Mas hoje não,

- hoje não comida,

Pai tenho fome,

- e hoje não.

 

 

(texto de ficção)

Marilu

11 de Março de 2011

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:59

É nos teus olhos de literatura

Que dou vida a uma personagem fantasma,

Ainda não tem nome,

E não sei se é homem ou mulher,

 

Mas sei que nos teus olhos

Escrevo textos ao fim da tarde,

E no teu sorriso

Colo as sílabas que sobejam…

 

Estás linda!

É nos teus olhos de literatura

Que sacio a minha fome,

E quando me deito

 

Fecho-os com a minha mão

Como se fossem pergaminhos antiquíssimos,

Tu, sorris para mim,

Eu contemplo os teus olhos de literatura

 

À medida que escondo o meu corpo

Nos lençóis em silêncio…

Lá fora lágrimas de saudade

Invadem o meu jardim,

 

Porque tu, com os teus olhos de literatura

Amacias as cores que me atormentam na escuridão,

E da janela as chamas do desejo

Chamam-nos; a mim e aos teus olhos de literatura.

 

 

Luís Fontinha

11 de Março de 2011

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:15

O trompete acordava no fim de tarde

E dos meus braços cresciam algas

Em desespero,

Do outro lado do rio

 

Uma criança brincava com os sons do trompete

E no chão térreo desenhava silêncios.

O meu coração em pulos desacertados

Como se estive entre uma pauta confusa de perceber,

 

O néon sorri nas ruas

E as flores, aos poucos, dormem.

O trompete sem fôlego

Suspendia-se na sombra dos pinheiros,

 

E eu não medo.

Eu pronto para a viagem

Quando o destino é o infinito…

E enquanto me preparo, saboreio os sons mágicos do trompete.

 

 

Luís Fontinha

11 de Março de 2011

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:23

Os malmequeres que eu pensava

Ter no meu jardim, hoje, não estão,

E hoje está sol

E hoje sinto um leve aperto no coração,

 

Talvez porque os malmequeres me deixaram,

Talvez porque hoje está sol e eu não flor,

Eu uma sombra perdida ao fundo do mar,

E os malmequeres hoje com dor,

 

E no meu jardim, não.

 

E hoje o meu jardim deserto

Despido na manhã sem malmequeres,

 

Os malmequeres que eu pensava

Ter no meu jardim, hoje, não estão,

Procurei-os por entre as pedrinhas,

E os malmequeres deixaram-me na solidão…

 

 

 

Luís Fontinha

11 de Março de 2011

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:06

Hoje percebi que sou um inútil

Que não gosto do mar

E detesto as flores,

Hoje percebi que não sei escrever

Odeio a poesia

E detesto os livros…

Hoje percebi que sou um imbecil

Que nem pintar sabe…

 

Hoje percebi que nem para fazer sombra sirvo

E hoje está sol

Hoje percebi que detesto gaivotas

Os pássaros e a noite,

 

E não gosto dos plátanos.

Hoje percebi que os cachimbos não me fazem feliz

E que tudo quanto escrevi até hoje,

 

Hoje percebi que lixo.

Hoje percebi que há minha volta

Não mãos para segurarem a minha sombra,

- mas tu nem sombra tens…

É verdade meu amigo…

Hoje percebi que não tenho sombra

E o peso do meu corpo começa a escoar-se no vácuo

Ao ritmo do nada,

 

Aos solavancos como uma polia constipada.

Hoje percebi que tudo à minha volta é a fingir;

A noite não é a noite,

A madrugada não é a madrugada,

E o luar não é o luar…

Hoje percebi que nem o sono me quer…

 

Hoje percebi que os meus olhos não são verdes

E que a maré não existe,

Hoje percebo as lágrimas dos meus olhos

Quando um paquete passa por mim e me acena,

 

E sem fingir me abraça na neblina.

Hoje finalmente percebi que não sou nada,

Sou um caixote desgovernado

À deriva no espaço.

 

Hoje percebi que além de ser um inútil

Sou um vagabundo,

Sujo,

Imundo…

Porque hoje percebi

Que é impossível eu perceber não ser feliz,

 

Hoje percebi que se eu deixar de viver

Nada se importará com a minha ausência…

E eu acreditava que tinha sombra

E que as flores eram belas…

 

 

Luís Fontinha

11 de Março de 2011

publicado por Francisco Luís Fontinha às 01:45

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