Os gajos dizem que não preciso de dinheiro para viver; e não preciso.
Levanto-me às oito horas da manhã e fumo três cigarros enquanto liberto a porcaria pelo rabo que me ficou esquecida da noite anterior, não tenho dinheiro para comer, alimento-me de livros, baixo a cabeça e no fundo da sanita vejo um poema de Al Berto a boiar, não cheira mal, e mais ao lado vejo frases do livro de A. Lobo Antunes “que fazei quando tudo arde?”, e fico-me na pergunta,
- quando tudo arde findam-se-me os cigarros,
E muitos perguntarão como tenho cigarros se não tenho dinheiro, e eu sinceramente respondo,
- não tenho dinheiro e dão-me cigarros, e às vezes, cinco euros que não servem de nada, mas sempre me sinto mais feliz com cinco euritos no bolso,
Tomo banho, pequeno-almoço um poema de Mário cesariny e começo a escrever porcarias sem nexo, mais um cigarro, mais uma ida à casa de banho, e café só às vezes quando o meu amigo Delfim (Magalhães) me paga um ou dois,
- ah… e às vezes compra-me um macito de cigarros,
O almoço hoje não, doíam-me os olhos, não li, não me alimentei de palavras,
- e as palavras à minha espera em cima da mesa,
E eu direitinho para a cama fazer uma sestazinha, descansar o estômago das palavras encalhadas na minha cabeça e enquanto passo pelas brasas, não fumo, não gasto cigarros que me fazem falta para a noite,
E hoje tenho da lanchar, e hoje vou ter de comer uma sandes porque isto de comer apenas palavras também não será muito saudável,
. digo eu,
Os gajos dizem que não preciso de dinheiro para viver; e não preciso.
E os gajos preocupados com o pote,
- e o pote, pá?
E eu passo o jantar em branco. Vou directamente para a cama e antes de dormir vou comer mais umas folhinhas de um livro qualquer,
- e os gajos preocupados com o pote; agora sou eu a comer porque tu já comeste…
E eu, pá?
E eu não preciso de comer?
Levanto-me às oito horas da manhã e fumo três cigarros enquanto liberto a porcaria pelo rabo que me ficou esquecida da noite anterior, olho-me ao espelho e,
- como eu sou tão feliz!
E os gajos preocupados com o pote,
- e o pote, pá?
Luís Fontinha
23 de Março de 2011
Alijó