Hoje não escrevi nada de jeito. Nada que possa prestar, e não preocupado, tudo o que escrevo não presta mas é a única forma de me manter vivo. Hoje abri a janela que tenho na minha cabeça, e lá fora, no quintal da minha solidão, uma menina sentada num baloiço empurrada pelo vento, e hoje, hoje não escrevi nada de jeito.
E hoje dou-me conta que não tenho jeito para nada, nem para fazer sombra quando emerge a noite no néon da rua, e hoje nada, nada de jeito saiu de mim, e a menina parece um pêndulo a descrever trajectórias nos sorrisos, e o baloiço engasgado no fim de tarde, e a tarde aos soluços depois do lanche, pão com manteiga e leite, e a tarde perdida nas margens das minhas mãos, e eu hoje não escrevi nada, e hoje eu à procura do sol, e hoje não sol, nem tão pouco escrevi… hoje nada de jeito. Eu sem jeito…
Hoje não escrevi nada de jeito. Nada que possa prestar, e não preocupado, tudo o que escrevo não presta mas é a única forma de me manter vivo. Hoje abri a janela que tenho na minha cabeça, e da minha cabeça hoje não saiu nada, debruço-me no peitoril, aponto os faróis do meu olhar para o oceano, elevo a voz na maré, pego numa das mãos, e a tarde perdida nas margens das minhas mãos, elevo em mim o silêncio, alguém me acena do outro lado do mar, quando os meus faróis começam a deslumbrar a curva da terra, e hoje não escrevi nada de jeito, pudera…, nunca escrevi nada de jeito; e às vezes questiono-me, ele questiona-se,
- tenho jeito para quê?
Tenho jeito para quê, perguntam vocês?
- e tu tens jeito para quê?
Jeito para nada dizem eles. E hoje não escrevi nada, e hoje talvez a única coisa válida que fiz…
- diz… diz lá…
Hoje talvez a única coisa válida que fiz fosse sentar-me na sanita, ouvir the Doors e fumar três cigarros seguidos,
- isso tudo?
Eles acham pouco…
Eu, eu resumo o meu dia a um simples cagalhão a boiar na sanita lá de casa…
- uma menina sentada num baloiço empurrada pelo vento, e o vento a enrolar-se nas suas pernas como se ela fosse uma simples roseira que brinca junto à praia, e na praia, na praia ele encostado ao rodapé da sala de estar, um livro na mão, e na cabeça uma janela aberta para o sol…
(texto de ficção)
FLRF
2 de Abril de 2011
Alijó