Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

09
Abr 11

Enquanto ela não vem

Vou-me sentando nas pedras

Olho a ribeira aos solavancos entre a montanha

Aliso a minha mão com um xisto em repouso

 

E espero que ela me venha buscar

Que me leve para as nuvens

E me deixe adormecer no luar

Enquanto ela não vem

 

A minha inquietação

O meu desassossego

Pergunto-me como será ela

De que cor será ela

 

Enquanto ela não vem

Vou-me sentando nas pedras

Olho a ribeira aos solavancos entre a montanha

Aliso a minha mão com um xisto em repouso

 

Faço desenhos na água

E lavo o meu rosto

Enquanto ela não vem…

Enquanto ela não vem vou brincando com as palavras

 

Pinto as rosas de encarnado

Como as sílabas ao pequeno-almoço

Alimento o meu estômago de silêncios

E espero que ela me venha buscar…

 

Num fim de tarde junto ao mar.

 

 

FLRF

9 de Abril de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:14

Viver na roda

Ser uma roda gigante

Em constante movimento

Não ter braços para acenar

Não ter lábios para beijar

Sem boca para falar…

 

À roda que não pára de girar.

 

 

FLRF

9 de Abril de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:57

Puxo do meu cachimbo de espuma do mar (existe e tenho um), sento-me na fogueira que brinca na areia finíssima da praia, e descanso o meu pensamento, ultimamente muito solicitado, parecendo às vezes uma prostituta de baixo custo, correndo de um lado para o outro, saltando de ruela em ruela, distinguindo-se do ontem apenas pelo cheiro da primavera, alegremente só, converso com todos os passarinhos do universo, e para a semana vão recriar o big bang, fantástico, o começo de tudo, o inicio, deus, isso já não sei, então, então… descanso este denso pensamento, guardião dos momentos bons, dos maus, dos belos e não belos, do hoje, do ontem, do amanhã, como consegues escrever com a música tão alta, não está alta, pois não… está nas alturas, e consigo voar nos teus sonhos de inverno, antes, consigo adormecer no teu ombro imaginário, lá bem longe, e sei que espera por mim todas as noites, mas eu não vou, tu não vens, para a semana vou, prometo, se ao menos ouvisse a tua voz… mas ficas logo a tremer, e amanhã vou. Prometo.

 

Ao longe, alto mar, faróis de barcos apodrecidos tela tempestade e encalhados no esquecimento dão à costa, ouço o ranger dos costados destes homens encardidos pela idade, oprimidos pelo tempo, são horas da faina, trabalho nocturno, de cigarro ao canto da boca, levam na algibeira a sabedoria dos nossos marinheiros, sempre prontos para navegar, desde que há mar, está frio, aquece-te aqui, não tenho frio, vem cá, vem… não tenhas medo, sou o teu guardião, menino dos teus sonhos, quando tu, em criança fugias de mim a sete pés, corrias na rua, e ao longe, ela de branco no seu cavalo branco, nunca vou esquecer, como estes homens nunca esquecem o que é não adormecer, estar acordado por obrigação e não pelo prazer de não dormir, fumar.

 

Sento-me e descanso, tu não vens, eu não quero ir, silêncios de nada navegam no teu sorriso de lua sem luar, estás perto, muito… longe dos olhares mesquinhos da ilha dos poemas, são tristezas que se perdem no horizonte, momentos de glória, viva a ilha dos poemas, governada por um tirano mal agradecido, carrancudo todo o santo dia, mas tu não queres vir, e o meu jardim sente a tua falta, todas as manhãs pergunta por ti, encolho os ombros e dou meia volta, volver, vou-me embora, daqui, daqui não, mas vou-me embora, e para onde queres ir, ir…, caminhar junto ao mar que tanto gostas, adoro, eu sei que sim, brincar com a tua sombra deitada no chão, esconder-me dela, e ela corre mas não me apanha, descanso sentado nesta fogueira prestes a adormecer, e eu fico com nada, de mãos vazias, e ao longe os homens do mar dizem-me bom dia timidamente, com medo de estarem a ser observados, sob escuta, e eu com um simples aceno, sem pressas, digo-lhes que estamos prontos.

 

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 17:50

Quanto pesa um sorriso. Um sorriso, sim, quanto pesa um sorriso, sei lá quanto pesa um sorriso, não sabes, não, não sei, diz-me tu, digo-te eu, porquê, porque foste tu que me perguntaste quanto pesa um sorriso, e quanto pesa, és doido, um sorriso não se pode pesar, não, claro que não, porquê, sei lá porquê, mas não se pode pesar…, quanto pesa o sorriso que se suspende do rosto dela, ontem, sob a neblina quando o sol marcava cinco e vinte cinco, precisamente, mais precisamente dezassete e vinte e cinco, fim de tarde, e o rio agarrado à minha mão nas carícias dos teus olhos, de lilases em silêncio, rodopiando na minha sombra, sim, diz-me tu, quanto pesa um sorriso, quanto pesa o sorriso dela, imprimido em papel fotográfico, digitalmente guardado das manhãs de inverno, longe do inferno, ausente no verão, parte incerta, volto já, fui-me, evaporei-me na sombra das oliveiras, quando eu matematicamente tento encontrar um equação para pesar um sorriso, porque tudo que existe, tem peso, será?

 

- Doido. Valha-te Deus, meu filho…

 

Diz-me tu. Diz-me tu quanto pesa um sorriso, quanto pesa a madrugada, diz-me tu, diz-me, sim, não tenhas medo, quanto pesa um abraço, e um sorriso pesa, tem movimento, massa, massa, sim, massa, e se o peso é igual à massa vezes a gravidade, o sorriso tem peso, diz-me, diz-me porque a tua sombra se alicerça no meu peito, e do teu sorriso, com peso, mensurável, um finíssimo raio de luz entra em mim, esconde-se na minha mão perdida nas tuas carícias, esquecida em ti, que da tua mão, um cisne sorri, abre a boca, e devagarinho, quase com medo, diz-nos quanto pesa um sorriso…, e esqueci-me quanto pesa o teu sorriso, mas tenho a certeza que tem peso, sinto-o na minha mão…

 

- Doido. Valha-te Deus, meu filho…

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 17:45

Eu pescador

Sem corpo para habitar

Sonâmbulo do movimento rectilíneo uniformemente acelerado

À procura dos duzentos e seis ossos junto à maré

 

E a maré

Um chuto no cu

Manda-me trabalhar

Eu pescador

 

Sem embarcação

Sem barco para atracar

 

Eu pescador

Ateu e dissidente de esquerda

Preciso já

É urgente ter um cadáver

 

Um corpo para brincar

Um sorriso onde me agarrar

Uma rede para lançar ao mar…

E a maré

 

Eu pescador

Sem corpo para habitar

Sem deus para me zangar

E chamar-lhe nomes feios

 

E atirar-lhe com os meus duzentos e seis ossos às fuças

Desenhar-lhe caretas na areia

Fazer-lhe festinhas nas trombas…

Eu pescador

 

Eu pescador perdido junto ao mar

Abandonado por deus

Com duzentos e seis ossos e alguns em bom estado

Com duzentos e seis ossos para penhorar…

 

 

FLRF

9 de Abril de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:58

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