Puxo do meu cachimbo de espuma do mar (existe e tenho um), sento-me na fogueira que brinca na areia finíssima da praia, e descanso o meu pensamento, ultimamente muito solicitado, parecendo às vezes uma prostituta de baixo custo, correndo de um lado para o outro, saltando de ruela em ruela, distinguindo-se do ontem apenas pelo cheiro da primavera, alegremente só, converso com todos os passarinhos do universo, e para a semana vão recriar o big bang, fantástico, o começo de tudo, o inicio, deus, isso já não sei, então, então… descanso este denso pensamento, guardião dos momentos bons, dos maus, dos belos e não belos, do hoje, do ontem, do amanhã, como consegues escrever com a música tão alta, não está alta, pois não… está nas alturas, e consigo voar nos teus sonhos de inverno, antes, consigo adormecer no teu ombro imaginário, lá bem longe, e sei que espera por mim todas as noites, mas eu não vou, tu não vens, para a semana vou, prometo, se ao menos ouvisse a tua voz… mas ficas logo a tremer, e amanhã vou. Prometo.
Ao longe, alto mar, faróis de barcos apodrecidos tela tempestade e encalhados no esquecimento dão à costa, ouço o ranger dos costados destes homens encardidos pela idade, oprimidos pelo tempo, são horas da faina, trabalho nocturno, de cigarro ao canto da boca, levam na algibeira a sabedoria dos nossos marinheiros, sempre prontos para navegar, desde que há mar, está frio, aquece-te aqui, não tenho frio, vem cá, vem… não tenhas medo, sou o teu guardião, menino dos teus sonhos, quando tu, em criança fugias de mim a sete pés, corrias na rua, e ao longe, ela de branco no seu cavalo branco, nunca vou esquecer, como estes homens nunca esquecem o que é não adormecer, estar acordado por obrigação e não pelo prazer de não dormir, fumar.
Sento-me e descanso, tu não vens, eu não quero ir, silêncios de nada navegam no teu sorriso de lua sem luar, estás perto, muito… longe dos olhares mesquinhos da ilha dos poemas, são tristezas que se perdem no horizonte, momentos de glória, viva a ilha dos poemas, governada por um tirano mal agradecido, carrancudo todo o santo dia, mas tu não queres vir, e o meu jardim sente a tua falta, todas as manhãs pergunta por ti, encolho os ombros e dou meia volta, volver, vou-me embora, daqui, daqui não, mas vou-me embora, e para onde queres ir, ir…, caminhar junto ao mar que tanto gostas, adoro, eu sei que sim, brincar com a tua sombra deitada no chão, esconder-me dela, e ela corre mas não me apanha, descanso sentado nesta fogueira prestes a adormecer, e eu fico com nada, de mãos vazias, e ao longe os homens do mar dizem-me bom dia timidamente, com medo de estarem a ser observados, sob escuta, e eu com um simples aceno, sem pressas, digo-lhes que estamos prontos.
(texto de ficção)
Luís Fontinha
Alijó