Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Abr 11

Embrulho-me quando o vento me toca na planície, malmequeres suspensos na claridade da tarde à minha espera junto ao silêncio e o meu sorriso refém da tempestade, do chão levantam-se sofrimentos e adensa-se nas minhas mãos a chuva acabada de cair, o capim olha-me na sombra de uma mangueira engasgada na tarde, e eu criança de pancadas em punho num velho triciclo…, o triciclo em lágrimas, o triciclo com dor, e eu criança dominado pelo cheiro da terra queimada, embrulho-me quando o vento me toca na planície, o triciclo ficou lá, parte de mim ficou lá, os malmequeres ficaram lá. E de mim apenas vieram duzentos e seis ossos e trinta e dois dentes.

 

Embrulho-me quando o vento me toca na planície, malmequeres suspensos no sorriso dos machimbombos apressados pela cidade, o meu avô passeia-se nas ruas com um pela mão, leva-o pela trela, e quando regressa a casa eu criança em sombras à espera dele no portão, as mangueiras do quintal já dormem, os papagaios de papel brincam com o chapelhudo e eu começo a ter sono, esfrego os olhinhos e dou-lhe um beijo, a barba durante o dia em crescimento, pica-me, o meu avô cansado de andar com um machimbombo pela cidade, pega-me na mão e leva-me para casa…

 

 

(texto de ficção)

 

FLRF

14 de Abril de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:20

É aqui que poisam as gaivotas. E daqui se escondem por entre os livros muito arrumadinhos, muito quietinhos, muito envergonhados da minha presença. É aqui que poisam as gaivotas dos sonhos, embaladas na tua mão quando acaricia o meu rosto, presa a mim, dentro de mim, é aqui que te procuro todas as noites, a todas as horas, e dos segundos indeterminados da saudade, tu, eu e tu, nós. Os nossos corpos suspensos no desejo, e ao fundo da rua, junto à tua sombra, uma gaivota poisa para mim, sorri, saltita, caminha pelo silêncio dos teus cabelos que nos meus lábios fazem traquinices, é aqui, é aqui e daqui, são as gaivotas que transportas no teu olhar.

 

 

(ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:37

Sobejam-me as tuas mãos nos meus ombros

O peso de perder-me na noite

Esquecer-me de dormir

Deitar-me rente ao chão

 

Sobejam-me sonhos que deixo sobre a mesinha de cabeceira

Ao lado de um livro por ler

Sem coragem de o desfolhar

Sem coragem de o comer

 

Sobeja-me a manhã que me chuta para o infinito

Como se eu fosse um condenado

Um simples vagabundo

Deitado rente ao soalho…

 

Sobejam-me as tuas mãos nos meus ombros

O peso de perder-me na noite

A dor de me esconder nas sombras da luz

Quando sobeja em mim a solidão

 

Sobeja de mim a tua mão

Nos meus ombros amarrotados à janela

Nos meus ombros escondidos

Na boca dos cortinados.

 

 

FLRF

14 de Abril de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 15:41

Sacio a minha fome nas páginas dos teus olhos

Nas sílabas dos teus lábios

Sacio-me no teu sorriso quando a manhã entra em convulsão

E na tua boca oiço a música das estrelas

 

Sacio a minha fome nos teus seios em seda

Quando junto ao mar

Se passeiam nas mão da maré…

E uma gaivota se aproxima e me sacia

 

E eu sacio-me nas suas asas em revolução

Nos seus gritos de desespero

Sacio a minha fome nas páginas dos teus olhos

Quando me esperam ao fundo da rua

 

E da tua janela sinto o mar dentro de mim

As ondas na minha garganta

Engasgo-me mas sacio-me

Sacio-me no teu corpo pendurado num desejo

 

Na parede do meu quarto

Pertinho da madrugada…

Sacio-me em ti e de ti

Quando te sentas na minha mão e adormeces no meu peito…

 

 

FLRF

14 de Abril de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:20

Quem sou eu que tinha um boneco chamado chapelhudo, que com um martelo, fingindo que arranjava, passava a tarde inteira a bater no triciclo, e a minha avó, que estás a fazer menino, o menino está a arranjar, e pumba, pumba… até os ferros começarem a chorar, e eu, quem sou eu, esquecido nas horas, despreocupado do tempo, apenas sabia que o dia acordava e depois, começava a adormecer, e ao outro dia, novamente dia, luz, vinha a chuva, eu, irritado, depois, sol, depois noite. Quem sou eu que só me lembrava do chapelhudo quando a minha avó penteava as folhas das mangueiras desarrumadas pelo quintal, e ao fundo da rua, a estrada para o Grafanil, veículos militares em marcha lenta, cansados da guerra, e eu, quem sou eu, que ao portão passava horas, não sabia contar os carros, e depois, perdia-me, quem sou eu que só sabia que eram muitos…

 

 

(ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 10:45

Quanto pesa um sorriso. Um sorriso, sim, quanto pesa um sorriso, sei lá quanto pesa um sorriso, não sabes, não, não sei, diz-me tu, digo-te eu, porquê, porque foste tu que me perguntaste quanto pesa um sorriso, e quanto pesa, és doido, um sorriso não se pode pesar, não, claro que não, porquê, sei lá porquê, mas não se pode pesar…, quanto pesa o sorriso que se suspende do rosto dela, ontem, sob a neblina quando o sol marcava cinco e vinte cinco, precisamente, mais precisamente dezassete e vinte e cinco, fim de tarde, e o rio agarrado à minha mão nas carícias dos teus olhos, de lilases em silêncio, rodopiando na minha sombra, sim, diz-me tu, quanto pesa um sorriso, quanto pesa o sorriso dela, imprimido em papel fotográfico, digitalmente guardado das manhãs de inverno, longe do inferno, ausente no verão, parte incerta, volto já, fui-me, evaporei-me na sombra das oliveiras, quando eu matematicamente tento encontrar um equação para pesar um sorriso, porque tudo que existe, tem peso, será?

 

 

(ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 10:39

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