Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

01
Mai 11

A manhã ensopada nos sonhos de ontem, meto a mão na algibeira, meia dúzia de moedas que chegam e sobram para o café, e não preciso de mais, não preciso, não preciso… quando precisar, quando precisar vou pedir esmola, sento-me na calçada, junto ao rio, e por cada poema declamado levo cinquenta cêntimos, acham caro? Pouca coisa e dentro de mim crescem poemas como silvados na montanha, a manhã ensopada nos sonhos de ontem, e quando acordo sonhos nenhuns, escondem-se sobre a mesa-de-cabeceira, junto ao candeeiro onde poisam restos que servem para me alimentar, comes restos, sim como, livros seu estúpido, livros, alimento-me de livros, o único alimento nos últimos tempos.

Os sonhos deixaram de ser a cores, agora só preto, e às vezes questiono-me porque me levanto nos dias em que nem meia dúzia de moedas tenho, mas é preciso mostrar que estou vivo, e se não apareço no café pela manhã, o meu único amigo (Delfim Magalhães) a telefonar-me, e eu sempre com a mesma resposta; estou bem.

Estou bem. Estou bem assim. E a manhã ensopada nos sonhos de ontem e eu à procura da meia dúzia de moedas, por momentos acredito que a algibeira rota, mas logo percebo que não, a algibeira nunca esteve tão bem de saúde, as moedas é que escasseiam, mas estou bem, estou bem assim, porque muita gente pensa que eu me alimento de livros, e é verdade, os livros são o meu alimento…

Não preciso, não preciso… quando precisar, quando precisar vou pedir esmola.

 

 

Luís Fontinha

1 de Maio de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:21

 

 

Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:35

 

 

 

 

Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:43

Na voz da ausência, estes livros que me acompanham nas noites de escrita, de nada servem, são indiferentes ao bater do relógio, quando às altas horas da madrugada, os segundos esquecem-se do tempo, e este, perde-se no limiar do esquecimento; os dias.

Ao fundo da rua, junto à casinha do ti Manel, a puta da burra desata-me a correr como se tivesse fogo no rabo. Eu bem que implorava, mas ela nada, não voltou, e até prometi levá-la a passear ao jardim do senhor regedor, mas nem assim, a puta, nada. Ela lá há-de vir, se quiser.

- Zé, bom dia!

Bom dia ti manel, bom dia.

- Passa algo?

A burra, ti manel, a burra. Desata-me a correr e nunca mais parou, parece que levava diabo, a grande puta.

Estou a divertir-me.

Se eu conseguisse desvendar todos os teus segredos, todas as tuas palavras impressas nesta pilha de papel espalhado pelo chão; o saco, finalmente era feliz.

Guardas nas tuas folhas os segredos que juntamente com a minha sombra, correm no percurso entre a saudade e o sonho. Guardas dentro de ti, os meus desejos, a minha dor, o meu sonho. Eu.

- Tem lume, ti manel?

Por diversas vezes tentei entrar dentro de ti, mas a saudade, o medo, fizeram com que tu me parecesses o sol a entrar pela janela, a beleza do teu sorriso, e nunca mais liguei ao que estava dentro de ti. Agora que tenho consciência que guardas os meus segredos, os meus sonhos, vou finalmente pegar em ti devagarinho, e folha por folha, ler o que nela escrevi, há não sei quantos anos. Há muitos.

Os meus poemas.

- Poemas?

Sim, poemas.

Pensavas que era alguma gaja descascada?

- Podia ser, porque não.

São quase 8:00 horas, e como vou agora encontrar a puta da burra, eu bem que dizia ao meu pai para não a comprar, mas comprou, e agora nem burra nem dinheiro. Estou fodido e o meu pai vai foder-me os cornos. E com razão. Mas também como ia adivinhar que a puta desatava a correr, sim como. Nem nunca mais a vi…

Poemas, sim, poemas.

- Se te fosses foder! Poemas…

 

Guardas de mim a saudade,

O momento de sentir-te dentro de mim,

Perdida,

Longe, e ao fundo, a triste vaidade

Do orgulho, esquecida

No banco de jardim.

Guardas de mim a saudade,

A luz dispersa no teu olhar,

A luz quente, o húmus da verdade

Encalhada no mar.

Guardas de mim a saudade,

Que eu guardo na minha mão,

Infeliz ou feliz, guardo a felicidade

No meu coração,

Viver a saudade!

 

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:27

Cada dia uma esperança, cada segundo um minuto, um minuto de eternidade, distância, ausência do vazio, e lá longe, no fim do destino, sim, aí mesmo, a minha ilha; a ilha que me viu crescer, aos poucos, umas vezes atinadinho, outras, outras é melhor não falar…

Ao fundo da rua, fica o casebre onde se vende sexo por encomenda, pizzas e demais mercadoria. Também temos café, chã, torradinhas, pensamentos tristes…, e entregas ao domicílio.

Closed.

Amanhecer. E ela não vem há janela. Odeio esta janela. Uma vezes fechada, outras, nem aberta nem fechada, as pestanas de cetim parecem bailarinas a interpretar o bailado; o lago dos cisnes! Piotr Ilitch Tchaikovsky.

Lindo, belo, belíssimo.

Vou passar a chamar-lhe, à tua janela, o acordar do amanhecer, e tu não vens, estás ausente na constelação de Peixe voador, e das oitenta e oito constelações, tinha logo que ir para esta. Tão longe…

Na minha ilha andam a passar-se coisas muito estranhas, analfabetos são doutores e engenheiros, os sem currículo são bem-vindos, bem-vindos ao nosso estabelecimento comercial, os incompetentes são promovidos, isto há cada coisa…

Tão longe, nem à velocidade da luz chegava até ti. Impossível.

E na distância ficarás perdida eternamente, ausente entre dois segundos de nada, e eu, continuarei a caminhar, sem correr, devagar, até novamente encontrar outra constelação, das oitenta e oito, menos tu, são oitenta e sete…

E eis que da cabeça de alguns da minha ilha, como se acontecesse um milagre divino, pois também existem outros milagres, o nevoeiro deita-se cuidadosamente no jardim, e ao fundo, aparece envolto numa túnica amarrotada pelo tempo, El Rei. El Rei do burgo.

- Viva o Rei! Viva.

- Vassalagem a sua Majestade.

Que se foda o Rei. Cada dia uma esperança.

 

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:25

Aos poucos, os sinos e as campainhas deixaram de rosnar, o vento, esse maldito, derrubou o modesto telhado da vizinha, que nas horas vagas, e durante a noite, sempre pela noite, servia homens com cicio, adolescentes desnorteados, e ao domingo, ao domingo era a esposa do senhor, porquê só ao domingo, nunca tinha pensado nisso, podia muito bem ser à terça-feira, ou à quarta-feira, sim, porque não, mas não, tinha de ser ao domingo, é o melhor dia.

Aos poucos, o teu sorriso, como se fosse o hastear da bandeira nacional, em pequenos voos rasantes, tropeça na parede de xisto, e cai para o lado, foi bem feito, agora, agora já nem sorriso tenho, mas aos poucos vou-me levantar, voltar a sorrir, e…, e até já pareces uma viúva a falar, não desfazendo no marido que deus o levou, e que descanse em paz, e de barriga cheia, e se possível, dar umas cambalhotas, na vizinha, sim, porque não.

Aos poucos, o sol se traveste de chuva, e aos poucos, um silêncio infernal se faz sentir na rua, valha-nos deus, é o fim do mundo, uns corriam para casa, quanto a outros, abrigavam-se nas ombreiras, parecendo mais prontos-a-vestir do que refugiados da chuva vinda do sol, se houvesse quem gritasse, ele parecia mais uma ave quando se esquece do campo magnético, começou a chorar, então alguém percebeu que toda aquela chuvinha não era mais do que uma águia-real que vertia lágrimas, porquê, não sei.

E aos poucos, os sinos e as campainhas deixaram de rosnar, cada flor do meu jardim, levanta-se do sono profundo, estendem os bracinhos como se estivessem a espreguiçarem-se do nada, cansadas do nada, e cada vez mais perto, aproxima-se a tua mão que me chama, e em seguida, faz-me sinal para me afastar novamente, e fico sem perceber se me estás a chamar ou a despachar em correio azul, só de ida, sem direito a devolução, hoje não há sobras, vendeu-se tudo, também com tantos escândalos…, amanhã dou, amanhã.

Amanhã e aos poucos, a longitude perde-se da latitude, o eixo terrestre é desviado para dar passagem a vossa excelência El Rei, aldrabão, vendedor de sonhos, e contador de mentiras, e aos poucos, o povo começa a ficar farto; estamos fartos, sua majestade!

Uns, fartos do estado a que chegaram as coisas, e outros, fartos, de barriguinha cheia.

 

 

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:23

Que tenhas sorte meu filho, rezo muito por ti, tenho lido as palavras que me deixaste no amanhecer, escritas à pressa, quando fugias de mim, tenho lido, por entre as memórias, as frases que deixaste penduradas nas paredes do nosso quarto, imundo, com a janela semi-fechada, para não seres vista na escuridão, tenho lido sem vontade de ler, mas o destino obriga-me, a reler o que já tantas vezes li, sempre a vasculhar no passado, no ontem, dia de Páscoa para uns, de não fazer nada para mim, rezo muito por ti, meu filho.

 

Não respondes às minhas mensagens, massagens, ignoras estas mãos espantadas com o teu rosto, quando em pleno quarto escuro, tu apareces de sorriso estampado em ti, trazes o teu cavalo branco, é meigo, afável, gosta de mim, sabes, é normal, toda a gente gosta de mim, não faço mal a ninguém, será, penso que sim…

 

Por entre as árvores, escondo-me, faço de conta que não estou cá, o senhor está, não, saiu, foi à cidade, e quando me escondo, nem tu, nem tu… consegues descobrir-me por entre as árvores, esperando que o vento me diga quando deva sair do esconderijo, o meu, nas árvores da primavera, aos poucos, começa a aparecer a pelugem nas suas asas, e também elas, um dia, vão voar.

 

Podias ter arranjado outro quarto, parece que está a cair aos bocados, não tinha dinheiro para outro, e é frio, nem aquecimento tem, numa das paredes está escrito em sinais de silêncio VOLTO JÁ, mais acima, junto ao candeeiro, no tecto, TENHO SAUDADES, e curiosamente são as palavras que me deixaste escritas no amanhecer, possivelmente ontem, só podia ser ontem, e detestas o fumo do meu cigarro, tens nojo, e indiferente, olhas para o meu fumo, sorris, e desejas-me.

 

Quando eu morrer nem uma missa mandas rezar pela minha alma, rezo muito por ti, meu filho, acho que o teu cavalo tem ciúmes de mim, tem agora, ele é assim mesmo, fala baixo, ainda nos ouvem do outro lado, só se fosse código de morse, não tem piada, parvo, parva, calem-se os dois, sempre a discutir, um diz que é branco, o outro que é preto, cresçam…

 

DESEJO-TE já nem isso, ontem sim, ontem desejava tudo, hoje, desejo nada, desejo que amanhã esteja sol, e que te faça sorrir, desejo não ter vontade de escrever, desejo a chave do teu coração, fechadura complicada, mas vou abri-la, sei que vou, amanhã, amanhã estará sol, rezo muito por ti, meu filho.

 

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 13:38

Não posso estar presente

No dia do meu funeral.

Lágrimas derramadas por muita gente,

Rancores de raiva me querem tão mal.

 

Tiveram o cuidado

Em vestir-me a rigor,

Fato e gravata, no caixão deitado

Multidão que chora presente dor.

 

Porque choram pergunto eu desanimado!

E só depois de ter morrido

Compreendi a razão de ser odiado...

Sinto-me triste por ter nascido!

 

E estou feliz deitado

Neste caixão em madeira...

 

A presença do vigário

Nunca me agradou,

Fizeram tudo ao contrário

Daquilo que o meu pensamento planeou.

 

Não me importo. Irei contrariado...

 

Poucas horas deitado

E já me sinto distante,

-Porra. Sinto-me cansado

De olhar tão triste gente.

 

Estou pronto para embarcar.

No meu quarto depositado

Ouço alguém cantar

A canção do abandonado.

 

Choram as mulheres lágrimas na escuridão

E feliz, vejo crianças a brincar,

Brincadeiras à volta do meu caixão

Antes do cangalheiro as portas fechar.

 

Começa o maldito padre uma “merda” qualquer,

E eu que nem padre queria.

 

Fecha-se o maldito caixão

E o meu olhar perde-se no meu corpo cansado,

Gritam… meu querido filho! Filho da minha alma meu coração...

E tudo fica calado.

 

Missa não.

O maldito padre apressado

Reboca o meu pobre caixão,

E eu a rir porque vou deitado.

 

Lançar as cordas. Corpo ao fundo. Finalmente...

A terra cobre-me como sempre tinha pensado,

Terra que tudo mastiga, terra que engole gente.

Assim descansa o meu corpo cansado.

 

Mais tarde uma lápide foi colocada

Em memória de um tal Luís Fontinha, data de nascimento...

Nascido em Janeiro e Luanda apaixonada

Meu filho querido tristeza do meu sofrimento.

 

E a lápide foi apagada.

Um anjo na escuridão

Novas palavras escreveu pela calada,

Aqui Jaz Luís Fontinha, aqui apodrece o maldito “cabrão”.

 

 

Sete anos mais tarde.

 

As letras no tempo foram apagadas

Tal como uma folha de papel amarrotado.

 

Outro no meu lugar foi enterrado

Juntamente com os restos que sobravam de mim,

E eu sem culpa alguma compartilhei o mesmo valado

Que mais tarde alguém fez um jardim...

 

 

 

Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:52

Quem sois vós para condenar

Um pobre inocente abandonado,

Que por heroína ter fumado

Não pode descansar.

Quereis julgar

Os filhos dos outros; É culpado!

Esqueceis vosso filho amado,

Também ele julgado por vozes a gritar…

É drogado! É drogado…

E no silêncio, tudo calado,

Uma mãe, lágrimas a chorar.

Quem mais se não ela para nos perdoar!

Também eu tenho mãe e por ela fui perdoado.

Sofreu e continuará a sofrer,

Porque na rua ao passar ouve dizer,

Teu filho foi drogado, drogado…

 

 

Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:31

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