A manhã ensopada nos sonhos de ontem, meto a mão na algibeira, meia dúzia de moedas que chegam e sobram para o café, e não preciso de mais, não preciso, não preciso… quando precisar, quando precisar vou pedir esmola, sento-me na calçada, junto ao rio, e por cada poema declamado levo cinquenta cêntimos, acham caro? Pouca coisa e dentro de mim crescem poemas como silvados na montanha, a manhã ensopada nos sonhos de ontem, e quando acordo sonhos nenhuns, escondem-se sobre a mesa-de-cabeceira, junto ao candeeiro onde poisam restos que servem para me alimentar, comes restos, sim como, livros seu estúpido, livros, alimento-me de livros, o único alimento nos últimos tempos.
Os sonhos deixaram de ser a cores, agora só preto, e às vezes questiono-me porque me levanto nos dias em que nem meia dúzia de moedas tenho, mas é preciso mostrar que estou vivo, e se não apareço no café pela manhã, o meu único amigo (Delfim Magalhães) a telefonar-me, e eu sempre com a mesma resposta; estou bem.
Estou bem. Estou bem assim. E a manhã ensopada nos sonhos de ontem e eu à procura da meia dúzia de moedas, por momentos acredito que a algibeira rota, mas logo percebo que não, a algibeira nunca esteve tão bem de saúde, as moedas é que escasseiam, mas estou bem, estou bem assim, porque muita gente pensa que eu me alimento de livros, e é verdade, os livros são o meu alimento…
Não preciso, não preciso… quando precisar, quando precisar vou pedir esmola.
Luís Fontinha
1 de Maio de 2011
Alijó