Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

07
Mai 11

A casa a tremer de frio e o meu corpo em suspenso entre a porta de entrada e o jardim, a casa na cama ensopada nos cobertores, enrolada nas sombras da noite, vira-se para a esquerda, vira-se para a direita, dobra-se sobre si, e a casa em suspiros longos, puxa de um cigarro, o cigarro em compasso de espera, acende-se e o escuro apodera-se do fumo, e apaga-se, a casa a tremer de frio, não dorme, e o meu corpo à porta de entrada junto ao jardim, e o jardim aos meus pés acabado de acordar, a casa em convulsões nas frestas interiores, e à janela o mar que espera entrar, não, não o mar, não desistas dos meus braços agora, e a casa na ressaca da noite, treme de frio, ensopada nos cobertores,

 

- não, não desistas de me abraçar, não desistas dos meus braços agora…

 

Ensopada nos cobertores, a casa treme de frio, levanta-se, veste-se, abre a porta… e quando me apercebo está à minha frente no jardim ensonado, está magra, desossada, os braços picados pelas abelhas e a casa não um malmequer, a casa uma casa, que em pleno verão treme de frio, sobretudo cinzento nos ombros, e não pára de correr, e em círculos concêntricos gira em meu redor, parece a terra em movimento de rotação em volta da lua, eu, eu a tremer de frio, a casa,

 

- não, não desistas de me abraçar, não desistas dos meus braços agora…, no guarda-fato o meu esqueleto incompleto à espera das frestas da casa e do inverno que de vez em quando poisa no jardim, baixo-me, pego numa flor, e percebo que a flor com medo do meu corpo, da casa, de nós,

 

A casa treme de frio enrodilha-se nos cobertores da madrugada, engasga-se na tosse, não dorme, não come, pesam-lhe os braços quando alguém acende a luz do quarto, e esqueci-me, esqueço-me que a casa com diarreia, caminhadas infundadas até à casa de banho, diarreia e vómitos, eu transpirava, eu tinha frio, eu ontem, eu há dezassete anos, precisamente a 7 de Maio de 1994, a esta hora a casa, a casa a estrafegar um grama de heroína, e depois, e amanhã?

 

- E hoje? Hoje não heroína, hoje nunca mais heroína, hoje eu sentado junto ao mar à espera que ela,

 

Ela vai-lhe crescer o cabelo, pegar na minha mão e levar-me para casa,

 

- não, não desistas de me abraçar, não desistas dos meus braços agora…

 

 

 

(texto de ficção inspirado no dia 7 de Maio de 1994)

Luís Fontinha

7 de Maio de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:10

Vejo no espelho excrementos

Que são a minha imagem reflectida na noite

Eu dançando no fundo da sanita

Engasgado pelo silêncio da casa de banho

 

Tento aos poucos emergir da merda

Mas a água do autoclismo puxa-me

Agarro-me às paredes

Escorrego… começa a afundar-se

 

A minha imagem dentro de uma conduta

Entro no vácuo

E caminho por um tubo de cento e dez milímetros de diâmetro

Percebo de estou debaixo da rua

 

Percebo que a rua cansada de mim

Farta da minha imagem de excremento

E eu feliz

E eu em direcção ao mar…

 

Vejo no espelho excrementos

Que são a minha imagem reflectida na noite

Eu dançando no fundo da sanita

Eu sufocado no desejo

 

Deitado de barriga ao ar

E tudo tinha peninha da minha imagem de excremento

Dançando na madrugada

E infelizmente eu não gaivota

 

Brincando dentro de uma conduta

Em direcção ao mar

À procura do amanhecer…

À espera de adormecer

 

E morrer.

 

 

Luís Fontinha

7 de Maio de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:21

Encosto-me ao silêncio da manhã

E apetece-me partir

Caminhar junto ao mar

Até encontrar o infinito

 

Uma gaivota que me abrace

Ou uma onda que me afogue

Chove e peço à água que cubra o meu corpo

Inclusive a cabeça

 

Deixar de ver o dia

Não ter medo da noite…

 

Encosto-me ao silêncio da manhã

E apetece-me partir

Esconder-me no mar

E ser engolido pelo mar…

 

Mas nem o mar quer o meu corpo!

 

 

Luís Fontinha

7 de Maio de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:49

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