Ele de cabeça suspensa no prato de sopa, à volta da mesa dez zumbis prisioneiros às cadeiras adormecidas no pavimento, e a sopa fugia-lhe e escondia-se junto ao armário, levantava ao de leve a cabeça, e novamente ele em deambulações deixando aos poucos de sentir o corpo,
- não tenho braços,
Ele sentado e lá fora as suas mãos brincavam junto aos pinheiros, a porta de entrada cerrada, a janelas cerradas e com grades, o prato de sopa à espera de mais uma cabeçada, e ele, ele adormeceu fixando os olhos num ponto imaginário da mesa, ele sem braços, e os braços pendurados junto ao corpo e fora do corpo, no jardim juntamente com as mãos,
- já sei voar, e voava em redor das janelas onde os zumbis passaram a ser sombras, e as sombras aos berros em redor da mesa, pratos são lançados contra as frestas da parede e o silêncio não silêncio, o silêncio…
O silêncio despedia-se do almoço, o almoço aos soluços, e ele, ele com a focinheira metida dentro de um prato de sopa, ele dentro do refeitório, e as mãos e os braços,
- não tenho braços, já sei voar, e voava em redor das janelas junto aos pinheiros, e as mãos e os braços em brincadeiras escrevendo frases na terra, as flores sorriam e chovia, o corredor começava a encolher, carris em aço e eu um comboio pendurado no começo da tarde,
Ele de cabeça suspensa no prato de sopa e esqueceu-se que um prato e uma mesa à sua frente, adormeceu, as mãos e os braços lá fora, e à sua volta dez zumbis que acreditavam ser possível atravessar a parede e irem brincar no jardim,
- com as minhas mãos e com os meus braços,
Não tenho braços, já sei voar, e voava em redor das janelas…
(texto de ficção)
Luís Fontinha
9 de Maio de 2011
Alijó