Ontem no dia de hoje, eu encaixotado dentro de uma carruagem e nos olhos as lágrimas fundiam-se, não nos cigarros, na altura não cigarros, as lágrimas fundiam-se nos carris que me guiavam até Belém, apaixonei-me pelo rio e ao longe ouvia os barcos a chamarem-me, e eu, e eu confuso, não a certeza se queria ir ter com os barcos, ou, ou entrar dentro dos muros amarelos da Calçada da Ajuda.
Ontem no dia de hoje, eu encaixotado dentro de uma carruagem e nos olhos as lágrimas fundiam-se nos cigarros, o avô Domingos acabava de me dizer adeus, fechou os olhos e partiu…
E hoje?
Hoje eu sentado a recordar o dia de ontem, no dia de hoje, hoje com saudades do rio e dos barcos, com saudades do avô Domingos que deixou de me abraçar quando regressava a casa, e eu menino, o menino junto ao portão à espera de um abraço, o menino que obrigava o pai a levá-lo a passear junto ao porto de Luanda para ver os barcos, e os barcos ainda lá, o Tejo ainda lá, os muros amarelos ainda lá, e eu, eu o menino, o menino tão longe dos barcos, o menino tão longe do Tejo, o menino tão longe de Luanda…
Hoje eu sentado a recordar o dia de ontem, no dia de hoje, e pelas ruas de Luanda o avô Domingos hoje com um machimbombo preso a um cordel, puxa-o, fá-lo caminhar pelas ruas de Luanda, e à noite, à noite desfeito em sombras, cansado, chega a casa e o menino suspenso no portão à espera de um abraço.
E hoje eu sentado, e hoje, e hoje não abraço do avô Domingos.
Luís Fontinha
18 de Maio de 2011
Alijó