Sábado, fim de tarde, princípio da noite, aos poucos o néon acorda nas ruas, labirintos que se multiplicam no espaço quando a sombra começa a assobiar nos paralelos da calçada, um homem bêbado sai da tasca, tropeça no vento, poisa em casa como um petroleiro desgovernado, entra em casa, entra em casa e espanca a mulher como se ela fosse a culpada dos problemas dele, os filhos indecisos, os filhos suspensos na noite, os filhos não têm a certeza se acudir à mãe ou segurar o pai que cambaleia como um cortinado quando a janela sorri para a rua, a mulher cansada, a mulher um dia inteiro de escravatura nas vinhas do douro, sobe socalco, desce socalco, olha o rio, e o rio sorri-lhe nos olhos, as mão calejadas pelos minutos divididos em vinte e quatro horas, a mulher sustenta a casa, dá comida aos filhos, a mulher leva pancada antes de adormecer, e antes de adormecer, abre as pernas, mistura as lágrimas com os gemidos, sente sobre o seu corpo um corpo coberto de raiva, é forçada a ter sexo com uma sombra que em altas horas da madrugada percorre as ruas em peditórios submersos na maré, o homem adormece sobre o seu corpo, ela chora, e as lágrimas já não lágrimas, as lágrimas o rio que ela pela manhã olha enquanto percorre os socalcos, pega no corpo do marido sacode-o para o lado como se fosse uma mosca em desespero, e permanece de pernas abertas a olhar as frestas da parede.
(texto de ficção)
Luís Fontinha
21 de Maio de 2011
Alijó