Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

30
Jun 11

Mulheres,

Uma duas três quatro casas decimais em volta de uma mesa de papel, na esplanada a voz submersa nos lamentos do dia-a-dia, e falta ceresitar os cabelos pendurados no sol, as ovelhas no pasto sentadas no passeio muito bem muito bem muito bem, e apoiado e apoiado, uma porque o filho não come outra com as tardias horas a que o marido atraca em casa, e outra que a ferrugem dos barcos entra-lhe pela janela e corrói o penteado da mãe, as sílabas que escorrem pelas páginas do livro de receitas da avô, o filho mais velho às cabeçadas na poeira castanha que caminha todas as tardes na prata de alumínio e a bolha no final da rua muda de direcção e mais uma voltinha e inserir a moeda na ranhura, as veias crescem como as algas e agarram-se ao casco dos veleiros estacionados à porta do vendedor ambulante, decadência de um corpo em pedaços de aço, lascas de pele que se multiplica na areia e o mar as leva, e o mar tudo leva, nos azulejos da cozinha as manchas de amarelo, o doutor Pássaro diz que deve ser fígado,

- A vida é uma merda sabes,

Cai um silêncio na esplanada,

A barriga inchada e as pálpebras a transpirarem junto aos choupos, a ribeira cruza-se com a esquina da pastelaria, uma chávena levanta do pires e abraça-se ao batom dos lábios, o vermelho lacerante das pétalas de rosa, o doutor Pássaro em receituário estremunhado faz prescrições de Lamivudina AMPDR 300 miligramas duas vezes por dia e descanso, descanse que quando der por ela a hepatite pela sarjeta em postas de bacalhau, na tasca os copos vazios em fileira à porta da repartição, os homens de pila murcha esperam e desesperam, e o gordo por detrás do balcão abraçado ao garrafão de branco e o branco recusa-se a abrir as portadas para o jardim, os clientes desesperam e nos cigarros acende-se a esperança na secura das horas,

- Tenho a impressão que o meu marido tem uma amante,

A secretária do doutor Pássaro,

Deitada na marquesa à espera que o paciente termine a radiografia à vesícula, não respira e só mais um pouquinho e sorria e sorria, e a vesícula da menina Gaivota presa no soutien, e que chatice diz ela emersa nas mãos do paciente impaciente senhor Gavião que lhe limpa as gotinhas de suor das estrelas dos seios e que chatice esta chuvinha no final da tarde, as chávenas e os pires em passo apressado para o interior adormecido da pastelaria,

- Não sai do consultório do doutor Pássaro,

O fígado incha na clarabóia da noite,

O capacete do militar às cabeçadas no muro de betão e em gritos escrevia nas nuvens de Belém FIZ MERDA FODI-ME, o enfermeiro de porta aberta em leituras de jornal, e em cada dor diferente a mesma rodela amarela, e eu questionava o enfermeiro que ainda ontem tinha tomado uma rodela igual para a dor de cabeça e ele em resposta de artigo dizia-me que SERVE PARA TUDO, diarreia bicos de papagaio reumatismo estômago, e de dentro do frasco de vidro as rodelas amarelas olhavam-me, e eu quando na noite adormecia com a garrafa de vodka à cabeceira o enfermeiro pela manhã à minha espera na parada com a rodelinha amarela para a formatura, botas engraxadas e barba desfeita e uma mísera gravata suspensa no pescoço, o chão betuminoso começava em rotações salientes e às vezes eu quase que tombava, e às vezes ouvia o Tejo que me chamava e eu, eu corria em seu auxilio, o doutor Pássaro a vesícula da menina Gaivota e o paciente senhor Gavião à minha espera na esplanada, eu sentava-me e confundia as conversas com os barcos que regressavam de longe, trocava a vesícula por hepatite e de vez em quando ouvia eles falarem nas gotinhas de suor das estrelas dos seios, e nunca até hoje percebi o que isso quer dizer; poisava a chávena no pires e num cigarro de trovoada deixava os olhos nas carruagens do comboio para Cascais.

Vinha a noite, e as putas, e as putas das noites insuportáveis quando a vodka se escondia no estômago do cansaço.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:39

O corpo,

No ressequido orgasmo da manhã, as horas em silêncios dormentes, as pernas, que se esfarelam como migalhinhas de pão do dia anterior, e a rua, entupida de sombras que se abraçam aos candeeiros da tarde, o quarto absorve-o e as frestas da parede, sobre a cama, olham-no, cintila-lhe o corpo em segmentos de rectas oblíquos, o sol, cheiro miserável a cadáver esquecido no armário e espreita pela fenda do cadeado, gostas de cá andar?, pergunta-lhe ele enquanto procura as horas na algibeira, no mundo?, já gostei mais, quando os barcos brincavam no oceano, quando no verão me sentava à porta de entrada e a noite dentro da casa e as moscas misturadas em mim e na casa e na noite, sábado não posso,

- As coxas abandonadas em bancos de jardim nas mãos poisadas nos seios das árvores, o útero em combustão quando a menstruação abre a janela e do rio os petroleiros abraçados na dor de barriga, cabeça estonteada quando na noite a almofada em papel de mortalha enrola o tabaco dos fins de tarde, irrita-se comigo e fica chatinha, a neblina quando desce a calçada, quando um cão em três patas cospe o mijo contra os tornozelos dos móveis, a madeira na garganta do caruncho na garganta na película fina e branca da penicilina,

Não posso,

Subir a montanha e lançar-me como uma pedra até me cansar e imobilizar-me em segurança, pé na embraiagem das nuvens e na penumbra das algas procurar o travão das gaivotas, o corpo reduz a velocidade, o corpo encosta-se ao cais e a âncora das árvores as raízes que prendem o me corpo à terra fina e cansada e em sonhos sobre a cama atraco ao soalho de madeira, gostas de cá andar?,

- Quando o púbis empapado no vermelho da tela,

No corredor sem saída,

As portas não portas, desenhos nas paredes que fingem portas e o tecto de hora a hora desce um milímetro, o pé direito três metros de luz, o meu esqueleto cento e setenta e cinco centímetros de sombra, e é só fazer as contas, quase quase amassado e vai ao forno e bom apetite,

- Este odor a sangue quando os pincéis mergulham na paleta de cores do umbigo,

Três a quatro dias,

E a resposta teima em chegar, procuro-me nos perdidos e achados, e o meu nome não lá, nem me perdi e nem encontrado, desaparecido junto à avenida 25 de Abril de 1974, a senhora professora com o ditado da manhã,

Os pássaros são livres, e o mar é de todos e os rios voltam a correr para o mar, eu faço uma pausa e penso, e ontem os rios não corriam para o mar?, na Primavera as andorinhas com os sorrisos nos telhados do medo,

E a resposta teima em chegar, espero e desespero junto aos plátanos e os estorninhos em viagem,

- Vês já passou,

Tipo rotação da lua uma vez por mês,

O salário de um desempregado sem subsídio de desemprego, e espera-se pela transferência e nada, aguarde mais uns dias, já fizemos a transferência deve estar a receber a corda com o respectivo laço, depois, depois é uma questão de bom gosto na escolha da melhor árvore e acariciar as coxas abandonadas em bancos de jardim nas mãos poisadas nos seios das árvores, rijos, os dias de desespero.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:38

29
Jun 11

E se a água se evaporar,

E o mar ficar terra ressequida?

O sol na garganta de um buraco negro

E lá dentro nada

Silêncio e a sombra de Deus

E lá dentro nada,

Não a água do mar,

Não a terra ressequida,

Não a porta de entrada,

E se a água se evaporar,

E o mar ficar terra ressequida?

Os peixes pendurados nas árvores

E lá dentro nada

As espinhas na borda do prato

E lá dentro nada,

Não a água do mar,

Não a terra ressequida,

Não a janela de saída,

Não a casa sonhada.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:58

Se o teu corpo é de chocolate,

Vou comê-lo,

Vagarosamente no silêncio dos patos bravos, vagarosamente as tuas pernas que caminham na sombra das estelas, o esvoaçar dos saltos dos teus sapatos quando o passeio se cruza com a estrada, e um automóvel os meus olhos em máximos no teu corpo de perdiz à procura de palavras e eu na peugada do chocolate das tuas mãos,

- Os teus olhos brilhavam no escuro,

Acendiam-se e apagavam-se como o folhear de um livro poisado no banco de jardim,

 

Desisto, não me apetece escrever mais,

 

E o teu corpo de chocolate evaporou-se em Belém numa manhã de sábado, e por entre a feira de velharias os meus olhos pregaram-se a um boné de militar da antiga URSS e não o comprei porque parecia-me demasiadamente velho e usado, e porque deixei de acreditar,

 

Não me apetece escrever mais,

Hoje não,

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:55

Hoje se eu sou

Ontem não o era

Hoje um miserável dia do calendário

Um número sem importância pregado na parede,

 

E onde se esconde a parede

Que deixou de existir?

Hoje apenas um silêncio

Que separa a cozinha da sala,

 

Durante a noite a parede consumida

Pelas estrelas de papel

Hoje se eu sou

Ontem não o era,

 

E amanhã certamente não sou

O eu de hoje

O ontem de eu…

O amanhã que não existe.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:34

Percebo que morri

E que aos poucos as minhas palavras

São como folhas de árvore

E vem o vento e vem a chuva

 

E as palavras numa mistura pegajosa

Submergem na manhã melancólica

Percebo que morri

O coração deixa de bombear

 

As sílabas e as vogais

E as minhas veias em colapso

Estoiram como as lâmpadas da noite

Cesso de escrever de olhar o mar

 

E as gaivotas morrem no desespero do cansaço

Quando o cheiro intenso a dor

Se alicerça nas mão de uma criança

E a criança disfarçada de sombra

 

Brinca na rua infestada de ruínas

Cancros de solidão nos corpos amordaçados

Nos braços as nuvens em migalhinhas

No corredor da morte.

 

Peço desesperadamente que matem as minhas palavras

- Façam-me esse favor, não tenham medo!

Porque enquanto nascerem palavras em mim

Percebo que estou vivo,

 

E não me apetece nada absolutamente nada

Caminhar sorrir viver existir…

Matem-me as palavras

Que do resto cuido eu,

 

Percebo que morri

E que aos poucos as minhas palavras

São como folhas de árvore

E vem o vento e vem a chuva

 

E nem o vento e nem a chuva

Conseguem separar-me deste xisto em brasa

Deste rio que engole o meu esqueleto

E que me mantêm vivo

 

Porque escrevo palavras

Palavras que quero deixar de construir

Porque enquanto existirem em mim palavras

O meu corpo não consegue partir…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:36

28
Jun 11

Não cai a noite,

E o céu não tem estrelas,

O espaço fica vazio e o vácuo em quadraturas circunflexas nos braços entreabertos quando o tronco em madeira se afunda no lodo do rio, os braços dele um perfil metálico aparafusado a sábados nocturnos e domingos na cama, uma cruz crucificada disfarçada de homem todo o terreno, tracção às quatro rodas, GPS e computador de bordo, e nos lábios um parafuso em aço a disfarçar o cigarro esquecido no bolso, e o calor é tanto e o calor é tanto que o tronco de árvore começa a derreter, e os braços gravíticos de sorriso lei da gravidade separam-se dos alicerces magoados nas profundezas da terra, as equações da estática tombam e a tensão arterial do esforço transverso esconde-se sorrateiramente entre o esqueleto encardido da pele lilás do eucalipto, doente, do eucalipto encurralado na floresta dissidente de gritos ásperos e afoitados da voz decrépita, e a equação da dinâmica,

- O que é o Amor?,

Uma roda dentada de mão dada com um veio excêntrico,

As carnes aproximam-se e fervem num tacho de alumínio, a liga das meias o elástico que surpreende a energia potencial em sopros a uma folha de papel, e as estrelas começam a elevar-se como grãozinhos de poeira no sentido contrário ao da rotação dos ponteiros do relógio,

- Não cai a noite,

E o céu não tem estrelas,

O espaço-tempo de Einstein em curvas nos seios da manhã, todos os corpos e todos os objectos sugados do hipercubo, e no vácuo o crucifixo pendurado na parede da escola, a fotografia do orelhudo, e uma ardósia com luzinhas que acendiam no escuro, a tabuada do oito aos pontapés à tabuada do cinco, e na prova dos nove sobrava-lhe sempre um,

- Cinco vezes quatro a dividir por dez,

E dois senhora professora,

Que tombam no lodo do rio, os braços, as pernas senhora professora, as pernas que tropeçam no rego de água e atrapalham-se com a rama das batatas, e a cabeça senhora professora, a cabeça está pendurada no recreio junto ao pinheiro,

- Bichos,

Muitos senhora professora,

Muitos dias sentado no mesmo xisto, muitos dias a olhar os mesmos socalcos, e muitos dias o céu sem estrelas, e muitos dias senhora professora, e muitos dias que não cai a noite,

E se cair senhora professora, se cair a cabecinha partida nas pedras da calçada, os caixotes do lixo remexidos pelas mãos dos monstros adormecidos, sem medo senhora professora, sem medo da fotografia do orelhudo que me olha na parede, e com sete anos questionava-me,

- O que faz aquele filho da puta pendurado na parede,

E ainda bem que se fodeu,

Ainda bem senhora professora,

Gostei de a reencontrar senhora professora.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:25

Ou fofinha como as espigas de milho hummmmm,

O poema é lindo,

Quando a voz que o constrói é um sorriso de vento no silêncio da noite nas mãos de uma flor adormecida no soalho da terra húmida depois de regada e as palavras fluem como sons musicais nas árvores da casa, na biblioteca os pássaros sentem o poema a entranhar-se nas penas transparentes e o candeeiro desce lentamente até adormecer no pavimento, os tacos de madeira ranhosos pingam liquido mucoso e no inverno incham e aumentam de volume, a água solidifica e rompe as ligações químicas, o poema acorda, o poema esfrega os pequeníssimos olhos de botão de rosa, olha os pássaros e deita-se sobre a secretária de madeira onde eu poiso os meus braços, onde eu prego murros com o martelo das mãos, e bato com a cabeça, é dura como cornos, a cabeça, a secretária, os cornos,

- O poema,

Rija como as pedras, três filhos,

Olha os pássaros e no vidro da janela escrevem O poema é lindo, as pessoas alimentam-se de poemas?, ele a ler livros antes de adormecer, não adormece, os intestinos ficcionados na noite e diarreia e sílabas e vogais e a merda que se espalha nos lençóis de mar da cama, o cheiro intenso a papel, o cheiro intenso a tinta, e a voz que o constrói rouca e a voz que o constrói suicida-se janela abaixo, e a cabeça da voz rola como uma formiga de asas vermelhas no tecto das rochas envenenadas pela fome, e o poema,

- Fode-se,

Três filhos rija como as pedras desbotados no fim de tarde,

O poema morre.

As palavras dentro da sanita afogam-se no mijo dos pássaros,

FIM DA FICÇÃO E PRINCÍPIO DA REALIDADE,

Qualificação superior à média, educado, maluco, doido, e às vezes, às vezes revoltado, que vive num país, num país de merda que lhe diz que aos quarenta e cinco anos não serve para nada, lixo, e está na hora de partir, partir e cagar-me para a troika e para a puta que os pariu, e que no desespero, e que no desespero está disponível para trabalhar com TRAFICANTES DE DROGA, REDES BOMBISTAS OU OUTRA MERDA QUALQUER, desde que tenha um salário para viver; EU.

Pedimos desculpa pela interrupção e voltamos à FICÇÃO,

Roda o coisinho do autoclismo e as palavras dispersam-se no cacimbo junto ao rio, no musseque o sol começa a esconder-se na sombra dos miúdos que desenham círculos na terra, o capim cobre-lhes as pernas queimadas de tristeza, é dura como cornos a noite, é dura como cornos a vida, é dura como cornos a cabeça que me mantém em equilíbrio como um poste de electricidade, os candeeiros dos meus olhos fundidos, e o escuro sobe pelo meu corpo e entra-me pelo nariz, e dou-me conta que sai fumo das minhas orelhas; curto-circuito interno, o indicador pisca-pisca do lado direito com um ataque cardíaco, e os médios, os médios com fractura do fémur,

- Acorda e durante a noite uma espiga de milho entra-lhe no olho esquerdo,

Ou fofinha,

Como a seda que alimenta o meu peito,

Os dias de inferno.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:44

Desistir de olhar os pássaros

De perceber o silêncio da manhã

Desistir das correntes que me prendem aos socalcos

E não deixam o meu corpo afundar-se no rio,

 

Desistir não desistindo de viver

Mas desisto de continuar as braçadas neste mar

Desistir não desistindo de escrever

Mas definitivamente… desisto de sonhar,

 

Desistir não desistindo das árvores do meu jardim

Das nuvens que adormecem nos meus braços cansados

Nas horas intermináveis da noite

Desisto e desisto e desisto dos meus sonhos falhados.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:57

27
Jun 11

Vinte decilitros de água no estado sólido,

Agitar bem,

Nas escadas que dão acesso ao sótão e as telas e os pincéis e os tubos de tinta embrulhados nas teias de aranha do compartimento exíguo e mais pequeno que um caixão de madeira, o meu atelier, onde escrevo onde pinto e onde defeco estas horríveis palavras com as minhas horríveis mãos e lidas com os meus horríveis olhos e que publico no meu horrível blog,

- O cansaço dos dias dentro da minha cabeça esvaziada pelo fluxo crematório das horas infindáveis, o estúpido do rafeiro que me rói os tornozelos de madeira, finca os insignificantes dentes nas minhas calças, e era uma vez um par de calças,

Sorri-me na sombra da noite,

O blog que criei e que baptizei de cachimbo de água, vinte decilitros de água no estado sólido, agitar bem, e as palavras misturam-se na luz do candeeiro, o fumo do cachimbo empapa-se nas órbitas salientes dos postigos debruçados sobre o telhado do vizinho, e o cubículo caixão tão minguado que nem ela lá cabia deitada, nua, nua nem pensar,

- E os livros?,

Os livros excitavam-se e pluf…

O soalho durante a noite a esticar os bracinhos, o ruído do batimento do coração da porta de entrada, as veias que transportam os electrões salientes no corpo das paredes, toco no interruptor, e em vez de acender a luz da sala oiço o cavalo a rinchar na loja, o electricista cambiou os finíssimos fios da instalação eléctrica, e pluf,

A excitação dos livros a excitação das moscas de asa adocicada a excitação dos cachimbos de madeira, a minha própria excitação, quando,

- Abro a janela e um petroleiro de bico amarelo que nos olha, e o cubículo caixão roda, o corpo de bruços estende-se ao longo do soalho, e agora?,

Vai mesmo de pé,

O cachimbo de água magríssimo na tarde sobre a secretária, agitar bem, e o atelier transpira e o suor esconde-se junto ao rodapé, do ar rarefeito do cheiro intenso a gaivotas envenenadas pelo sol um dos quadros separa-se da parede e tomba na areia junto à praia,

- De pé porque não!,

Vinte decilitros de água no estado sólido,

Uma carcaça e uma moeda de dois euros, e não falta nada e o cubículo caixão cerra os olhos no cacimbo da tarde, começa a chover, aqui não, e certamente que neste preciso momento chove, em sitio algum, fecho a janela e apago a luz; o atelier some-se nas cascatas que por entre as rochas deitam lágrimas, e o rio engorda e o rio silenciosamente deita-se no mar.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:24

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