Pega na chibata e de mão em mão acotovela os sonhos de uma criança, sábados à tarde pequeníssimas folhas de papel no estendal do quintal, na parede uma ardósia que espera as palavras das nuvens, chove, e adormece, e no esquecimento da tarde deixa a janela aberta, o corpo transpira, o termóstato dilui-se nas frases engasgadas quando nos lábios a secura alicerça a garganta arranhada pela claridade da janela, a cabeça estonteia e o corpo fervilha, ebulição, o corpo em dores, o corpo em despedidas,
- O milagre da vida. Acorda um silêncio nos olhos de um malmequer, o chão, o chão argamassado com pedidos de desculpa, e ele à porta de entrada em favores prometidos para entrar em casa, o milagre de estar vivo, acorda em ti madrugada filha da neblina, a canção da revolta, falta-me nada, tenho tudo, pega na chibata e começa a perseguir as sombras junto ao rio, os peixes espreitam pelas frestas da noite, não noite de noite, a noite sem estrelas,
O corpo em despedidas e ela dorme, e no corpo o frio da madrugada acaricia-lhe a pele, entra em delírio, tem febre, sonha com monstros estacionados junto às árvores, nas folhas pegadas de morcego abraçam-se à lua, e na cozinha o velho sentado numa cadeira de olhos cerrados, o velho cansou-se e apodrece com a passagem dos segundos, do corredor ouve-se o cheiro intenso a ossos esmagados pela idade, na boca um cigarro desprende-se e transforma-se em cinza, segura na mão o comando da televisão, o comando encardido, o comando alinhado junto às casernas, apontar, fogo…, e as rosas tombam com o sopro do vento,
- Fervo como água que alimenta a turbina da manhã, de mim sai o vapor que aos poucos encalha junto às rochas, e malditas rochas, e das pás uiva a chibata que da mão faz girar um carrossel e barracas de farturas, na ardósia prometem-se sonhos, na ardósia palavras para eu comer, é para embrulhar se faz favor, e sem favor,
Pega na chibata e de mão em mão acotovela os sonhos de uma criança, sábados à tarde pequeníssimas folhas de papel no estendal do quintal, sabe meu amigo, ele encostou-se ao velho que sentado na cozinha esquecia-se dos dias, esquecia-se das noites, o velho morto desde que nasci, o velho a enrolar cigarros e nas mortalhas o fumo a esconder-se do malmequer, e ela,
- Foda-se, já chega, cansada…
(texto de ficção)
Luís Fontinha
4 de Junho de 2011
Alijó