Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

08
Jun 11

Sinto a falta de dinheiro

A falta de trabalho

Sinto a falta do inverno

E das noites de orvalho,

 

Sinto a falta das manhãs escuras

E das tormentas

Das horas suspensas num relógio

Dos dias sofridos nas tardes alentas,

 

Dos dias cansados

Quando um segundo se escapa no tempo

Sinto a falta do mar

Quando me puxa o vento,

 

E lá vou eu à procura do que me falta

E falta-me tudo e falta-me nada

Sinto a falta dos teus lábios

Nos teus braços madrugada.

 

 

Luís Fontinha

8 de Junho de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:03

Substituindo as engrenagens do peito dá-se conta que a tarde range como carruagens sobre os carris da solidão, veja lá o senhor se isto tem cabimento, a tarde ainda a meio, e já a dona Elvira suspira silêncios na cama, enrolada nos lençóis que na loja do chinês adquiriu quando ainda a saúde vivia dentro do corpo, e nas pernas a velocidade era constante, penteava-se todos os dias depois de lavar a fachada do rosto numa bacia que estava sempre poisada em cima de uma mesa de pedra debaixo da macieira, e a macieira a única habitante do quintal com dez mil metros quadrados, frente para o rio, e bem longe, mesmo no canto do extremo para a encosta, uma rocha onde ela se sentava nas horas intermináveis do dia,

 

- Dois filhos, o marido à noite saiu de casa para comprar cigarros, e trinta anos depois, trinta anos depois nem ele nem cigarros, e nem filhos, os filhos em corridas diárias, trabalho casa, casa fim-de-semana na praia e já se esqueceram que ainda eu viva, enrolada nos lençóis comprados no chinês, e só com a noite no meu peito, e dos netos apenas sombras numa fotografia sobre o frigorifico,

 

Veja lá o senhor se isto tem cabimento, a roda da vida em constante rotação e a desgraçada da dona Elvira desfasada com o movimento pendular dos anos, de que lhe servem os dois filhos, os netos,

 

- E um dia ele vem, um dia ele entra pelo buraquinho da fechadura na companhia dos cigarros,

 

Substituindo as engrenagens do peito dá-se conta que a tarde range como carruagens sobre os carris da solidão, a rocha onde se sentava aos poucos comida pelo vento e a bacia debaixo da macieira na garganta das maçãs, a Elvira absorvida pelas frestas da casa que na volta dos ponteiros do relógio vergava como um corpo doente, veja lá o senhor se isto tem cabimento, filhos, netos, e no funeral apenas a companhia de um rafeiro que se deitava durante a noite no tapete da porta de entrada,

 

- Um dia eles vêm visitar-me, um dia vêm, coitados… têm lá a vida deles…

 

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

8 de Junho de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:26

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