Na manhã as nuvens em frente ao sorriso das garças, no rio finíssimos silêncios abraçados a ela, e das mãos da minha mãe uma rosa olha-me, e eu, sinto que nunca mais a vou ver, agarra-me como se estivesse a segurar os ramos da cerejeira do quintal, nos olhos pequeninas gotinhas de orvalho, e em soluços,
- Vai com Deus meu filho,
O meu pai engasgado pelo cigarro,
- Boa sorte,
E nem sorte nem Deus na minha companhia, lanço um adeus à cerejeira, poiso a mão na cabeça do rafeiro, e quando passo junto ao matulão prego-lhe um sorriso, ele lambe-me a mão, e eu, eu,
- Juizinho senhor Noqui,
A mala sem peso, pouca coisa e meia dúzia de livros de A. Lobo Antunes, e em poucas horas eu sentado na Baía de Luanda a olhar o mar, dentro de mim o menino que procura nas ruas o cheiro a catinga e as sombras de um papagaio de papel, dentro de mim o silêncio da terra acabada de tomar banho, dentro de mim o menino de bibe, o menino que se pendurava nos ramos da mangueira,
- O menino dá, o menino dá a sopa,
E a colher inclinava-se a quarenta e cinco graus e trinta segundos, e pimba, o bibe entalado de sopa, e das mãos peganhosas vinha até mim o cheiro do fim de tarde, olho o mar, puxo de um cigarro, fumar mata, e eu teimosamente fumo, e teimosamente a morte nada comigo, por enquanto, no fumo oiço os sorrisos das garças, oiço o roncar de um petroleiro apressado rio acima, fechos os olhos e vejo a minha mãe sentada na cozinha, e de terço na mão, reza, reza por mim, mas sinto que nunca mais a vou ver,
- Vai com Deus meu filho,
- Boa sorte.
(texto de ficção)
Luís Fontinha
10 de Junho de 2011
Alijó