Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

15
Jun 11

Não me esperes para jantar

Hoje vou destapar a lua

Descarrilar o meu corpo sobre as linhas da vida

Pedir um desejo e pegar num livro ao adormecer,

 

Cerrar os meus olhos nos silêncios da manhã

Correr pelas pedras do jardim

Hoje não me esperes

Hoje vou destapar a lua,

 

Hoje

Pendurar as palavras no estendal

Enxugá-las levemente com os dedos da chuva

Hoje nas sílabas os meus lábios,

 

Um cigarro que te olha e deseja ardentemente

Hoje vou destapar a lua

E na tua barriguinha…

Construir cócegas,

 

Poisar a mão no teu púbis

Abrir a janela de acesso ao mar

E nos teus olhos de gaivota

Coloco a venda que tapa a lua…

 

 

Luís Fontinha

15 de Junho de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:18
tags: , ,

As enciclopédias hoje em dia são digitais; as estrangeiras podem escrever elas próprias o kamasutra ... resta-te os quadros. Pronto, agarra nas telas e pincéis, e tenta a sorte.

E a sorte procura-se nas ruas da cidade, junto aos candeeiros a petróleo, a sombra inimiga da solidão, o desespero disperso da manhã quando o automóvel se engasga e do semáforo incendeiam-se as cinzas de um cigarro pendurado nos lábios, a bicicleta embalada pela mão de uma criança cansada, o percorrer da linha do Tua a pé apenas para dar um beijo à mãe,

 

- As fraldas de pano embebidas no cocó quando depois das chuvas o musseque desprendia-se das lágrimas da tarde, o capim amaciava-lhe as pernas tenras e nas mãos o cheiro a mar, os pássaros que lhe poisavam e se afogavam nos gritos da dor, no triciclo uma das pombas em bicadas ao acento de madeira, os calções desciam-lhe lentamente até ancorarem nos tornozelos,

 

Os pincéis agachados dentro de uma lata de refrigerante, as tintas camufladas nos tubos a rastejarem como se fossem soldados, crianças que enganam o tempo a desenhar na terra húmida bonecos de cetim, a mãe à espera da chegada do filho, e ele, ele em peripécias no antigo Congo Belga, nas cartas frases mínimas, beijos, estou bem, regresso depois de morreres,

 

- Em bicadas ao acento de madeira, as estrangeiras poisam a roupa no sorriso das gaivotas, nuas encostam-se à tela, riscos sobrepõem-se e nascem poemas à beira mar, as fraldas de pano embebidas no cocó e na alcofa um pequeníssimo rádio a pilhas semeando palavras sobre os lençóis, o bebé de olhos verdes no colo do pai que pausadamente caminha pela linha do comboio e na mão, na mão a bicicleta a pedal, os sapatos desgastados e nus, buraquinhos junto às fivelas, e o vale do Tua aos poucos mergulha na escuridão,

 

As enciclopédias hoje em dia são digitais; as estrangeiras podem escrever elas próprias o kamasutra ... resta-te os quadros. Pronto, agarra nas telas e pincéis, e tenta a sorte, resta-te o fim da vida, resta-te o corpo desossado e mergulhado no telhado de um casebre, resta-te a paisagem que dorme dentro de ti, resta-te as ruas silenciosas de Luanda, resta-te…, resta-te a baía de Luanda onde te vais sentar e olhar o mar.

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

15 de Junho de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:02

Junho 2011
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4

5
6
7
8
9





Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

subscrever feeds
Posts mais comentados
mais sobre mim
pesquisar
 
blogs SAPO