Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Jun 11

Não consigo levantar-me desta rocha de xisto, percebe, parece que o meu corpo ancorou a este mar de fragas e vinhedos, dentro de mim os socalcos suspensos nos meus braços, e nas minhas mãos uma flor enfraquecida tomba-se-me, e dorme, e na esquina da montanha, o rio Douro, e foi com estas palavras que João cerrou os olhos, encostou-se à sombra e tombou na terra cultivada de frestas,

 

- Meia dúzia de trapos, dois ou três livros, e está a mala feita,

 

Nos lábios a secura da tarde de Agosto, o sol a pique lançando-lhe labaredas sobre os minguados fios de cabelo, no bolso da camisa as mortalhas e a onça, e os dedos a darem ao slide, imprime cigarros como quem lançava foguetes nas festas da aldeia, porque agora não foguetes, as pesadíssimas botas em passos silenciosos no terreno xistoso, um copo de água-pé e um escarro para o ar assemelhando-se ao lançamento horizontal de um projéctil, a componente em X e a componente em Y, misturam-se nas algas do rio, e terra, e a enxada em vómitos a tossir junto ao talude,

 

- Quando chegares escreve, e as palavras não me chegavam às mãos, percebe, e também o que ia eu dizer, que desde que cheguei nunca mais tomei banho, não desfiz a barba nem cortei o cabelo, e também o que ia eu dizer, que durmo enrolado numa caixa de cartão, que passo fome, que ando na rua à caça de moedas, percebe, sim mãe, está tudo bem, e veja lá que até engordei cinco quilogramas, estou um rapazão,

 

Encostou-se à sombra e tombou na terra cultivada de frestas, a enxada em vómitos a tossir junto ao talude, o relógio de bolso desiste e o pêndulo silenciosamente em equilíbrio, da curva do rio um barco rabelo em fila de espera à procura de vento, que terra que nem o vento corre, que terra que nos come os ossos, percebe, o velho João cansou-se da paisagem, a paisagem farta de o ver por aqueles locais, todos os dias, das cinco da manhã ao anoitecer, o mesmo sol, as mesmas nuvens, as mesmas árvores, as mesmas videiras de sempre,

 

- Não se preocupe mãe, sim, estou bem, até engordei cinco quilogramas,

 

Percebe, esta terra prende-nos com silêncios, os olhos agarram-se ao declive, subir e descer a encosta, o xisto espreita-nos, o xisto dá cabo de nós, mata-nos, e aos poucos vamos morrendo de saudade, percebe,

 

- Quando puder vou visitá-la, sim mãe, não se preocupe.

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

18 de Junho de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:20

E nas árvores os meus braços suspensos

Da manhã cansaços da manhã em desalentos

O meu corpo evapora-se nas nuvens em silêncios

E do meu peito em cinza acorda a dor

 

A vontade de morrer

Diminuir tenuemente nas sombras da cidade

Que este corpo não sente este corpo diluído na saudade

E mergulhar no oceano imaginário dos meus olhos

 

Pegar nas palavras e projecta-las na parede da solidão

Abraçar-me aos ponteiros de um envelhecido relógio

Gritar no escuro engasgado nos embondeiros

E junto ao mar em desassossego…

 

O mar engole-me dissolvendo os meus ossos em pó

Dentro de mim só sílabas empoleiradas no sorriso das gaivotas

E nas árvores os meus braços suspensos

O meu corpo que finge estar vivo.

 

 

Luís Fontinha

18 de Junho de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 10:55

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