Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

20
Jun 11

É de vento

Que alimento o meu peito cansado

É no vento que deixo as minhas cinzas

Ao vento quando o mar ficar calmo

 

É de vento

No vento o meu corpo trucidado…

 

É no vento que os meus lábios descansam

Quando de mim o vento sem força

Me empurra rabina abaixo

E com vento sem vento

 

O meu corpo mergulha pacientemente

Na paixão do puxa e do empurra

 

E me afundo

E sinto as pedras que magoam as minhas costas de vento

É de vento

É no vento que descanso eternamente

 

O meu corpo em pó

Em pó o vento deixa cair o meu corpo no mar…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:59

Existo.

Nas sílabas amargas da minha sombra, entre o rio que me sufoca e os socalcos que deixam as minhas asas em brasa, no ténue vento da manhã, voar dentro de mim e bater com a cabeça no infinito, existo, não sei,

 

Existo.

Nas sílabas amargas da minha sombra, entre o rio que me sufoca e os socalcos que deixam as minhas asas em brasa, no ténue vento da manhã, voar dentro de mim e bater com a cabeça no infinito, existo, não sei, onde estão as amarras imaginárias que me prendem a esta terra, não existem, porque não voo, voar, ser livre nos céus quando me sento no xisto esfarrapado pela chuva, quando me deito na cama, e a cama silenciosamente presa ao pavimento, sentado, a cama deitada, o espelho do quarto olha-me, eu olho-o, e dentro do espelho não eu, dentro do espelho,

- Círculos, quadrados, rectas em rotação, milhões de pontos esfomeados, o hipercubo aproxima-se de uma cabeça, a cabeça abre e fecha a boca, nos dentes o marfim separa-se e cola-se a uma das faces, a cabeça entra no hipercubo, e cabeça e hipercubo em rotação, e os pequeníssimos pontos começam a separar-se, e a anos-luz, desaparecem, perdem-se,

Os pontos são pontos. Os pontos existem. E com a distância deixo de os ver,

Tenho medo. Cada objecto constituído por milhões de pontos, o meu corpo pontos, e quando me distancio do observador, quando me distancio deixam de me ver, começo em ponto e termino em nada, mas existo, vocês é que não me vêem, braços, pernas, cabeça, coração, olhos, nos olhos lágrimas, e nas mãos, nas mãos rectas paralelas, e querem que eu acredite que no infinito se vão encontrar, e eu acredito,

- Voar dentro de mim e bater com a cabeça no infinito, o espelho escuro, frio, longe do quarto, abre a janela, corre o cortinado, e de dentro de mim milhões de pontos em movimento, escoam-se pela janela como se fosse um líquido, o equilíbrio, a temperatura fica constante, e os pontos através de uma fresta do tempo começam a unir-se, o meu corpo fica corpo, novamente um ponto, que de dentro do quarto, não existe, não me vêem,

Existo.

Na poeira que a terra cospe, nos rabelos estacionados no Douro, quando as forças que equilibram o meu corpo deixam de estar em equilíbrio, um pequeníssimo ponto moveu-se, o corpo tomba e morre, sobre ele o vento que imprime na tela dos socalcos o arco-íris, a luz decompõe-se e abraça-se aos tenros rebentos das videiras,

- Voar, ser livre nos céus quando me sento no xisto esfarrapado pela chuva, o sangue que nas veias engrossa, movimenta-se silenciosamente dentro da tarde, no relógio cinco horas, um milionésimo de segundo-luz, deixo de ser eu,

Existo.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 17:05

Todas as coisas têm uma estória, todas as coisas têm uma vida. O corpo morre e fica a estória, e o cachimbo de água só morrerá com o desaparecimento do meu corpo, mas quando ele for pó, o blog cachimbo de água permanecerá algures na rede, palavras que ficarão mesmo depois de eu deixar de existir.

Poderia começar a história do cachimbo de água com… Era uma vez…

Mas não faz sentido porque o cachimbo de água está vivo e presente em cada momento de mim, e de vós.

 

O miúdo que nasce em Luanda e que ainda hoje procura na memória os cheiros e as sombras da cidade, aos poucos, já em Portugal, começa a devorar livros pela influência do pai, dos livros vêm as palavras e até à escrita é um saltinho.

Eu, anti-cigarros, para enganar a saudade, em Lisboa, começo a escutar no fumo as palavras que me habituara em casa, o sentar-me junto ao Tejo a olhar o rio e a criança que acabava de regressar de Angola, e em todos os barcos eu sentia a presença do menino que fazia papagaios de papel e se deitava debaixo das mangueira, de barriga para o ar, a olhar o céu…

A vida traz-me a paixão pelos cachimbos, e quando percebo, trinta e seis cachimbos em madeira, trinta e seis estórias. Olhava-os e sentia que faltava algo, faltava um cachimbo de água.

Um dia, daqueles dias em que não temos paciência para nada, um Marroquino a querer impingir-me bugigangas, e para o despachar da minha impaciência pergunto-lhe se tinha cachimbos de água, ele em resposta curta que não mas para não me preocupar porque ia encontrar um, ele acreditava que eu falava a sério, eu acreditava que ele brincava comigo, e uns dias depois, quando eu já tinha esquecido o cachimbo, ele aparece-me com este cachimbo de água, e que desde então poisa pacientemente sobre a minha secretária, sentado à minha esquerda.

Eu, sentado à sua direita, escrevo palavras, palavras que após a minha morte, continuarão vivas no blog Cachimbo de Água.

 

(Obrigado à Teresa Alves da equipa dos blogs Sapo e ao Rui Morais, grande artista da fotografia de Alijó)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:55

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