Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

22
Jun 11

Saboreia-se a garganta fina e escura

No rio desencontrado

Brincam gaivotas com ternura

Gaivotas que poisam no chão molhado…

 

Gaivotas que voam no meu peito

E nas asas transportam a saudade

Do dia que termina sem jeito

No mar em liberdade,

 

Saboreia-se a garganta fina e escura

Nesta mão que tece a madrugada

Em lábios de secura

 

Na boca engasgada.

Ai se pudesse abraçar a gaivota molhada

Que corre na areia cansada!

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:04

Semeiam-se palavras na água do cachimbo,

Brincam sílabas e vogais no fumo do cachimbo. Dizem-me as nuvens que no mar a revolução dos peixes, e no céu, no céu a indiferença dos pássaros, e o vento deixou de soprar,

- Deixem-me em paz, não, não quero saber disso,

Os peixes em revolução, e depois?, os pássaros indiferentes, e depois?, és tão parvo diz-me ela, és tão parvo em semear palavras na água do cachimbo, diluem-se como vento nas searas da minha aldeia, do sino de Carvalhais vem a pontualidade das horas que me irritam, ele a matar o tempo e as pedras aos poucos contra o alvo do canastro, as espigas de milho do ano passado gemem entre as ripas de madeira, a luz roda o corpinho e atravessa as frestas, e nos espaços vazios o sorriso de uma gaivota,

- E o vento deixou de soprar, e a culpa é minha?, deixem-me em paz…

De uma gaivota as asas bordadas com pétalas de rosa, pai, sim filho responde ele pensativamente, porque choram os plátanos, os plátanos?, não, estás a brincar, os plátanos não choram, os peixes não se revoltam e os pássaros, que têm os pássaros pai, os pássaros não indiferentes, e os pássaros e o vento de mãos dadas junto à ribeira, pai, sim filho, mas tu disseste que o vento deixou de soprar, sim disse estava a brincar,

- Carvalhais longe de mim, a eira começa a adormecer e as amarras que prendem o canastro a Favarrel começam a encolher na sombra da noite,

Pai, sim filho, S. Pedro do Sul é tão lindo, sim filho é, olha, sim pai, e tem os Fingertips, e o rio leva-me ao rio, e vou levar-te onde o avô Domingos me levou, onde pai, ao Castro da Cárcoda, onde o silêncio se pinta de branco e os cigarros parecem andorinhas junto ao mar,

. Semeiam-se palavras na água do cachimbo, brincam sílabas e vogais no fumo do cachimbo, e o cachimbo sentado à minha esquerda, o cachimbo impaciente por mim,

Semeio palavras na terra arada do cachimbo, encosto-me à enxada e olho o mar, e Luanda nunca tão perto de mim, e vejo o meu corpo dentro de um quadrado imaginário, e em cada vértice um bocadinho de mim, em cada vértice, Luanda, Alijó, S. Pedro do Sul e Lisboa,

- Deixem-me em paz, não, não quero saber disso.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:19

Os outros têm tudo

Eu não tenho nada

O céu tem estrelas

Eu, uma mão magoada.

 

Mão minha cansada

No meu corpo de xisto envenenado

Os outros têm tudo

Eu, uma enxada na sombra do arado.

 

Os outros têm tudo

Eu não tenho nada

Da noite a lua que me olha

Eu, uma flor no chão tombada.

 

Pisada por aqueles que têm tudo

Eu, não tenho nada

Tenho palavras semeadas na água

E sílabas no desejo da madrugada.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:28

A incandescente madrugada,

No silêncio do precipício grãozinhos de areia tombam para o mar, o corpo inerte balança, o vento empurra-o, uma mão que o puxa, cai não cai, suspende-se nos lábios das ondas contra as rochas, na cozinha o cheiro a peixe frito, a loiça infestada de côdeas que emergem da luz diáfana da lareira, nos azulejos as sombras de sangue do matadouro, bovinos de um lado, suínos do outro, as manhãs que rompem-lhe no pulso o horário das 4 horas e levantar, cabeça de fora, a cama distancia-se dos lençóis e encalha nos candeeiros da rua, e nos olhos as teias de aranha nas poucas horas de sono,

- Ela e ela acariciam as pétalas nuas do desejo, amo-te Marta, também eu te amo muito Joana, os púbis beijam-se debaixo dos lençóis impressos com pedacinhos de nuvem, na pele o orvalho cintilante de uma mão alicerçada nos seios da montanha, o rio brota silêncios, lágrimas de cansaço que os olhos sacodem contra a mesinha de cabeceira, e os corpos misturam-se na neblina,

Os seios brincam no recreio da escola,

As minhas palavras censuradas nos teus lábios de amêndoa, o lápis azul comendo sílabas ao pequeno-almoço, as torradas servidas com poemas em listras e no sol o sorriso das flores que se beijam,

- Os seios separados pela ténue luz que entra pela janela, o tecto argamassado com estrelas finge não as ver, cerra os olhos, ela e ela, ela e ela de mão dada caminhando pela praia, a areia evapora-se nos tornozelos e corre para a maré, dos abraços os lábios colam-se na crista das ondas, cai a noite e no quarto o vento que as empurra mar adentro, saltitam na garganta do mar, e suspiros milimétricos deitam-se sobre os cigarros que o fumo desperta,

Ouvem-se vozes que murmuram na noite,

Quero lá saber dos grãozinhos de areia. Se tombam, se não tombam, quero lá saber do mar, do outro lado do rio um petroleiro engasgado no Tejo, Belém fica às escuras, e na confusão da feira de velharias, vou amar-te sempre, o jardim testemunha, ela mentiu, nos livros amarelecidos pelo mofo dos anos ele deixa cair os olhos, ela distancia-se e desaparece na manhã do rio,

- Ela e ela entrelaçam as mãos, unem as cabecinhas no travesseiro do sonho, dorme bem meu amor, sim, tu também, bons sonhos,

O relógio desliga-se da noite,

Desaparece na manhã do rio como todos os barcos desaparecem no rio, o rio engole-os e na garganta do mar um veleiro enrolado nas velas, o vento dorme na pela húmida de ela e ela, e ela e ela esperam pela manhã que entrará pela janela,

- Bom dia meu amor, bom dia amor,

Amo-te. Também te amo muito meu amor.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:11

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