Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

25
Jun 11

A casa amarela e suja,

Seminua encastrada na serra que a humidade corrói como um barco enferrujado, o aço que cintila e absorve a luz do dia, os bichos que habitam nas minhas árvores e ao final da tarde esperam impacientemente pelo regresso dos estorninhos, ensurdecedor este silêncio de pássaros que lá do alto deixam cair a porcaria esbranquiçada que nas tripas se acumula e alastra como manchas de óleo no pavimento,

- Que faço eu aqui?, diz a casa no silêncio da serra, as janelas de boca aberta na sombra das árvores,

O sol sufoca os pulmões da casa,

Na tosse engasgada quando o meu corpo diminuído se agarrava a um ramo de árvore e parecia um pêndulo em movimento, horas minutos e segundos no recreio da escola junto ao jardim, defecar só no terreno do vizinho, e sentia no rabo o vento fresco da manhã, malditos estorninhos, quando o rabo se encostava às peugadas da sombra das videiras, a escola empenada e de coluna vertebral escorregadia nos bicos de papagaio, tosse tosse nas arcadas da minha mão, tosse na casa amarela e suja nos olhos esbugalhados dos estorninhos durante a noite,

- E feliz eu quando habitada!, agora, agora míseras paredes inclinadas nos dias chuvosos de inverno, as madeiras a alimentação preferida do caruncho ao pequeno-almoço, e das janelas os farrapos dos cortinados suspensos no vento que assobia serra abaixo, e na cabeça os finíssimos fios de cabelo, e eu feliz quando crianças dentro de mim!,

Dos alicerces a ténue nuvem em decomposição, o cheiro a cadáver nas rugas da argamassa,

A casa seminua amarela e suja, das asas o esvoaçar de penas levadas na tempestade, escondo-me na serra, eu sou a serra entregue por vós, e se fez homem ao terceiro dia, o mar, o mar entra-lhe pela janela e um petroleiro envelhecido derrama sémen nos lençóis da cama, lençóis azuis, a cor do mar quando o lavatório se agarra à torneira e água desce pela parede e na terra semeada as flores amargas da primavera, rebeldes, indomáveis, a casa selvagem ou da bruma escuridão das minhas mãos à espera do jantar, e o que é hoje o jantar?,

- Lasanha meu querido,

Outra vez?,

Outra vez o regresso dos estorninhos, e ninguém à espera deles, sobre a secretária “Vigílias de AL Berto” e “ O caderno de Saramago”, nada mais em mim e de mim, a febre estonteia-lhe a cabeça nos lençóis defecados do mar, e o mar entra pela janela, entra o mar e as mãos de AL Berto, e que injusto este pais,

- Porquê outra vez?,

Ainda ontem…

Nas flores do jardim e hoje não abelhas, das flores do jardim o silvado onde se escondem as lágrimas da casa, a serra a ser engolida pelos estorninhos quando a luz se acende e ela indefinidamente sente o chão em movimento, o peso de anos e anos de olhos cerrados, debruça-se na ribeira e da ribeira,

- Ainda ontem o jantar lasanha,

Os pratos seminus dentro da casa amarela e suja,

Encastrada na serra que a humidade corrói como um barco enferrujado, na testa VENDE-SE, vende-se sucata, mobílias que acabam de chegar da  ortopedia, ainda estão quentinhas, radiografia aos pulmões, e o alcatrão do cigarro preso às paredes velhas e sujas do amarelo esquecido no tecido da saia, e vende-se o petroleiro e os estorninhos que não cessam de cagar, o chão em manchas de óleo, o chão,

- Aleluia Aleluia, Deus proteja esta casa,

Esta casa que se esfarela nos seios da serra,

Tristes e sinceros, e de olhar carrancudo me olham e deixaram de me desejar, dentro da casa a pele húmida e macia onde na parede um calendário parou no dia 25 de Junho de 2011, sábado, 25 de Junho de 2011, um dia como tantos outros não fosse o mar entrar pela janela…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:26

“A mágoa ideológica quando a minha mão toca no sol”,

Da frase,

Impressa no muro do silêncio que divide o ontem do hoje, o segmento de recta da solidão quando na tarde a sereia do automóvel avança musseque adentro, enterra-se na lama, dilui-se na garganta do buraco da rua pavimentada a côdeas de pão, “A mágoa” presa ao betão aldrabado por mais areia que cimento, o traço três por um, três partes de areia uma parte de água e cimento nenhum, “ideológica quando a minha mão” toca nas flores silvestre do campo e escorre através do zinco calcinado do sol, a frase desce a encosta íngreme do mastro de um veleiro, nas velas os lábios da tarde quando no mar brincam as gaivotas “toca no sol” e foge para o pavimento térreo e lamacento que são os meus dias,

- O meu corpo deixa de respirar na maré cansada do amanhecer,

Eu morto,

E encalhado na doca de Santos preso à terra com cordas de sombras que no passo apressado dos transeuntes um rebocador dá aos pulmões e puxa e puxa e não saio do milímetro onde durmo, o zinco muda de cor, e na cor as pétalas da tarde em cio, com o cio as ratazanas buscam nas fendas da boca a claridade da noite, o musseque extingue-se e desaparece da paisagem,

- Os socalcos do Douro comem os meus pobres e cansados duzentos e seis ossos, afundo-me no rio e as algas agarram-se-me às nádegas inchadas do desemprego,

Dizem, dizem-me, oiço na manhã,

Que os pássaros são pássaros, o miúdo que a cada pontapé na bola um vidro estilhaçado, um prédio em ruínas, 5 4 3 2 1 e ergue-se de braços abertos sobre os plátanos e deixo de o ver, o muro do silêncio cambaleia e no vento deixa cair a frase “A mágoa ideológica quando a minha mão toca no sol”, esfarela-se como migalhas do pão duro que atirava ao candeeiro na messe de sargentos, e a velha a perguntar-me Porque estouraram as lâmpadas do candeeiro?, sei lá respondia-lhe que devia ser gases, os intestinos empapados na solha do jantar de ontem,

- O meu corpo engolido no xisto do pavimento, e esta paisagem não me alimenta,

Ninguém, ninguém a agarrar a minha mão, e o meu corpo mergulha nas águas profundas do Douro,

Que a cada pontapé na bola o sorriso do vidro, maricas, fincava as mãos na algibeira e perdia os olhos no lameiro abraçado à erva fresca da manhã, na ardósia cresciam as palavras da infância e dos números o giz na poeira silenciada da mão da professora, as bolas de naftalina protegiam-me da sandes de fiambre ao fim da tarde, a esmola orgulhosa do caricas, e que velho tão filho da puta,

- No Douro?, não, não fico nem mais uma nuvem,

Começo a escorregar pela traqueia da noite,

A frase “A mágoa ideológica quando a minha mão toca no sol” mistura-se com a solidão dos dias e dentro do estômago as vogais com a cabeça estonteada rumo aos intestinos, e puxa e puxa e não saio do milímetro onde durmo, o rebocador sanita abaixo e na tosse da doca de Santos suicida-se contra o vento, os pedacinhos de porcelana no chão da esplanada, e os números da ardósia somam-se, e os números da ardósia multiplicam-se e fingem abraçarem-se ao segmento de recta da solidão,

- Sei lá eu porque estouraram as lâmpadas do candeeiro Dona?, escrevia eu na parede da messe a frase A mágoa ideológica quando a minha mão toca no sol”,

Três dias de castigo,

Na sombra poeirenta da caserna, e puxa e puxa e não saio do milímetro onde durmo.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:05

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