Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

27
Jun 11

Vinte decilitros de água no estado sólido,

Agitar bem,

Nas escadas que dão acesso ao sótão e as telas e os pincéis e os tubos de tinta embrulhados nas teias de aranha do compartimento exíguo e mais pequeno que um caixão de madeira, o meu atelier, onde escrevo onde pinto e onde defeco estas horríveis palavras com as minhas horríveis mãos e lidas com os meus horríveis olhos e que publico no meu horrível blog,

- O cansaço dos dias dentro da minha cabeça esvaziada pelo fluxo crematório das horas infindáveis, o estúpido do rafeiro que me rói os tornozelos de madeira, finca os insignificantes dentes nas minhas calças, e era uma vez um par de calças,

Sorri-me na sombra da noite,

O blog que criei e que baptizei de cachimbo de água, vinte decilitros de água no estado sólido, agitar bem, e as palavras misturam-se na luz do candeeiro, o fumo do cachimbo empapa-se nas órbitas salientes dos postigos debruçados sobre o telhado do vizinho, e o cubículo caixão tão minguado que nem ela lá cabia deitada, nua, nua nem pensar,

- E os livros?,

Os livros excitavam-se e pluf…

O soalho durante a noite a esticar os bracinhos, o ruído do batimento do coração da porta de entrada, as veias que transportam os electrões salientes no corpo das paredes, toco no interruptor, e em vez de acender a luz da sala oiço o cavalo a rinchar na loja, o electricista cambiou os finíssimos fios da instalação eléctrica, e pluf,

A excitação dos livros a excitação das moscas de asa adocicada a excitação dos cachimbos de madeira, a minha própria excitação, quando,

- Abro a janela e um petroleiro de bico amarelo que nos olha, e o cubículo caixão roda, o corpo de bruços estende-se ao longo do soalho, e agora?,

Vai mesmo de pé,

O cachimbo de água magríssimo na tarde sobre a secretária, agitar bem, e o atelier transpira e o suor esconde-se junto ao rodapé, do ar rarefeito do cheiro intenso a gaivotas envenenadas pelo sol um dos quadros separa-se da parede e tomba na areia junto à praia,

- De pé porque não!,

Vinte decilitros de água no estado sólido,

Uma carcaça e uma moeda de dois euros, e não falta nada e o cubículo caixão cerra os olhos no cacimbo da tarde, começa a chover, aqui não, e certamente que neste preciso momento chove, em sitio algum, fecho a janela e apago a luz; o atelier some-se nas cascatas que por entre as rochas deitam lágrimas, e o rio engorda e o rio silenciosamente deita-se no mar.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:24

Não faço nada... imagino que está frio,

E às vezes sinto frio de não fazer nada... e que bom, eu mergulhar no Douro lentamente como se fosse uma pétala a descer o corpo de uma mulher, uma qualquer, ou homem, um qualquer, prender-me ao fundo e esperar que a minha respiração cesse, e que da noite desçam até mim as estrelas, FIM, e no teste de História o doutor Morais com a caneta vermelha,

- FIM da brincadeira, princípio do estudo,

REPROVADO,

E ainda não é desta e desço e desço e desço até ao fundo do rio e toco e toco e toco com a mãozinha no lodo, e não e não e não cessa a minha respiração, e não e não e não estrelas vindas da noite, CONTINUAÇÃO,

Do dia de ontem igual ao dia de hoje, o mesmo sol, o mesmo calor, as mesmas nuvens e a mesma noite,

Tudo igual,

- Escreve-me um poema!,

Não e não e não, não,

O coitadinho de mim, e ela com uma pedra de gelo desde o meu pescoço até… e apanha-a com os lábios como se fosse um silêncio de nada, o coitadinho de mim suspenso na continuação do dia de ontem, e irritam-me os dias sempre iguais, nem morro nem mato nem dou seguimento à minha existência medíocre, o pacóvio adormecido nas noites milagrosas de Agosto, o vendedor de sonhos na feira da ladra,

- Baratinho só cinco euros,

Peço desculpa, onde se lê cinco euros deve ler-se mil escudos,

Embrulhados na algibeira para as noites tórridas de verão e sobre a mesa da esplanada sílabas de cerveja e vogais de tremoços, e o estômago incha, e o liquido derrama-se no escuro muro de vedação da noite, e estrelas?,

- Estrelas?, quais estrelas?,

No fundo do Douro,

Não desceram estrelas do céu, o céu não existe, o Douro não existe, as estrelas não existem, o mar não existe, e, e o poema não existe,

- O poema és tu PARVALHÃO,

Os dias embrulhados nas coxas da noite,

 

Da pele de silêncio as gotinhas pétalas das tuas mãos

Os sorrisos seios do teu peito

As finíssimas nuvens dos teus lábios

Na entrada húmida e cintilante boca de esmeraldas,

 

- Olha… passou-se,

Os dias embrulhados nas coxas da noite, CONTINUAÇÃO,

 

As tuas cristalinas palavras que escreves

Quando a madrugada se despede na ópera da noite

E o teu púbis mergulha no meu corpo de silício…

Do meu corpo na combustão da tua sombra,

 

Da pele de silêncio as gotinhas…

A mão que deixa cair-se lentamente em ti

Como se fosses um pedacinho de neve

E a minha mão aos poucos na tua solidão.

 

- Não faço nada... imagino que está frio,

E às vezes sinto frio de não fazer nada... e que bom,

Quando as estrelas descem até ao fundo do rio, e um corpo cessou de respirar, e que bom perceber que esse corpo não é o meu, o meu, o meu corpo pendurado no espelho do guarda-fato e batem-me à porta; vamos jantar.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:19

Os teus braços fraquejam

Vergam como os ramos de uma árvore

Mergulhados na tempestade,

E enquanto vergam

E não partem

Os teus braços suspensos no meu pescoço,

Um sorriso no teu rosto permanecerá

Vivo

No cansaço dos dias…

A tempestade cessa

E os teus ramos de árvore

Alicerçados no meu corpo junto ao mar,

 

E não me importo de esperar

E não me importo de te amar,

Porque enquanto fores árvore

Porque enquanto eu tiver forças para te segurar…

 

Os teus braços fraquejam

Vergam como os ramos de uma árvore,

 

Mas eu não os deixarei partir

 

Eu não os deixarei tombar.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:08

O olhar de mim quando a ribeira se abraça ao rio,

E na cidade os automóveis em combustão acelerada,

A minha mão procura na algibeira as pequeníssimas moedas para o café, e o café em lista de espera, consulta só daqui a três meses e vá tentando,

- Uma vez duas vezes três vezes eu farto de tentar,

E se eu desistisse?,

Das moedas do café e da consulta, definitivamente não, nos óculos remelados os olhos que me impingem remédios milagrosos para as lombrigas para os bicos de papagaio para a próstata para os intestinos para a solidão, e o milagre para mim apenas meia dúzia de moedas, um trabalho,

- E nada mais do que isso,

Cabrões,

A minha cabeça estoira como rocha embainhada na dinamite do cansaço, e quando o cordão umbilical se debruça sobre as minhas mão,

- PUM a cabeça impressa na parede em ruínas e o borrão de tinta que sorri na tela,

A cidade empurra os corpos emagrecidos para o mar,

E o cheiro intempestivo dos cadáveres à procura de moedas para o pequeno-almoço, FECHADOS PARA DESCANSO DE PESSOAL,

- Um café e meio bolo e a sombra com a ardósia na mão, não vendemos meios bolos, ou bolo inteiro ou nada,

Nada,

Espero de amanhã,

Porque os dias são todos iguais, excepto na roupa que trago vestida,

- Traga-me só o café,

Cinquenta e cinco cêntimos de taxa moderadora,

E quando terminava a aula de trabalhos manuais construía bolinhas de barro e pumba aos cornos do papagaio da tasca decrépita,

- FILHO DA PUTA CABRÃO,

Consulta daqui a três meses e venha em jejum,

Eu sempre devido ao colesterol da vida, para as lombrigas para os bicos de papagaio para a próstata para os intestinos para a solidão,

- Tem alguma coisinha para a falta de moedas,

Não, não tenho nada,

E se eu desistisse?,

Levantar-me do sofá, despedir-me das fotografias penduradas na parede, e em meia dúzia de voltas sobre o eixo de rotação do meu corpo desligar o interruptor do candeeiro e, e cruzar o braços…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:54

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