Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

28
Jun 11

Não cai a noite,

E o céu não tem estrelas,

O espaço fica vazio e o vácuo em quadraturas circunflexas nos braços entreabertos quando o tronco em madeira se afunda no lodo do rio, os braços dele um perfil metálico aparafusado a sábados nocturnos e domingos na cama, uma cruz crucificada disfarçada de homem todo o terreno, tracção às quatro rodas, GPS e computador de bordo, e nos lábios um parafuso em aço a disfarçar o cigarro esquecido no bolso, e o calor é tanto e o calor é tanto que o tronco de árvore começa a derreter, e os braços gravíticos de sorriso lei da gravidade separam-se dos alicerces magoados nas profundezas da terra, as equações da estática tombam e a tensão arterial do esforço transverso esconde-se sorrateiramente entre o esqueleto encardido da pele lilás do eucalipto, doente, do eucalipto encurralado na floresta dissidente de gritos ásperos e afoitados da voz decrépita, e a equação da dinâmica,

- O que é o Amor?,

Uma roda dentada de mão dada com um veio excêntrico,

As carnes aproximam-se e fervem num tacho de alumínio, a liga das meias o elástico que surpreende a energia potencial em sopros a uma folha de papel, e as estrelas começam a elevar-se como grãozinhos de poeira no sentido contrário ao da rotação dos ponteiros do relógio,

- Não cai a noite,

E o céu não tem estrelas,

O espaço-tempo de Einstein em curvas nos seios da manhã, todos os corpos e todos os objectos sugados do hipercubo, e no vácuo o crucifixo pendurado na parede da escola, a fotografia do orelhudo, e uma ardósia com luzinhas que acendiam no escuro, a tabuada do oito aos pontapés à tabuada do cinco, e na prova dos nove sobrava-lhe sempre um,

- Cinco vezes quatro a dividir por dez,

E dois senhora professora,

Que tombam no lodo do rio, os braços, as pernas senhora professora, as pernas que tropeçam no rego de água e atrapalham-se com a rama das batatas, e a cabeça senhora professora, a cabeça está pendurada no recreio junto ao pinheiro,

- Bichos,

Muitos senhora professora,

Muitos dias sentado no mesmo xisto, muitos dias a olhar os mesmos socalcos, e muitos dias o céu sem estrelas, e muitos dias senhora professora, e muitos dias que não cai a noite,

E se cair senhora professora, se cair a cabecinha partida nas pedras da calçada, os caixotes do lixo remexidos pelas mãos dos monstros adormecidos, sem medo senhora professora, sem medo da fotografia do orelhudo que me olha na parede, e com sete anos questionava-me,

- O que faz aquele filho da puta pendurado na parede,

E ainda bem que se fodeu,

Ainda bem senhora professora,

Gostei de a reencontrar senhora professora.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:25

Ou fofinha como as espigas de milho hummmmm,

O poema é lindo,

Quando a voz que o constrói é um sorriso de vento no silêncio da noite nas mãos de uma flor adormecida no soalho da terra húmida depois de regada e as palavras fluem como sons musicais nas árvores da casa, na biblioteca os pássaros sentem o poema a entranhar-se nas penas transparentes e o candeeiro desce lentamente até adormecer no pavimento, os tacos de madeira ranhosos pingam liquido mucoso e no inverno incham e aumentam de volume, a água solidifica e rompe as ligações químicas, o poema acorda, o poema esfrega os pequeníssimos olhos de botão de rosa, olha os pássaros e deita-se sobre a secretária de madeira onde eu poiso os meus braços, onde eu prego murros com o martelo das mãos, e bato com a cabeça, é dura como cornos, a cabeça, a secretária, os cornos,

- O poema,

Rija como as pedras, três filhos,

Olha os pássaros e no vidro da janela escrevem O poema é lindo, as pessoas alimentam-se de poemas?, ele a ler livros antes de adormecer, não adormece, os intestinos ficcionados na noite e diarreia e sílabas e vogais e a merda que se espalha nos lençóis de mar da cama, o cheiro intenso a papel, o cheiro intenso a tinta, e a voz que o constrói rouca e a voz que o constrói suicida-se janela abaixo, e a cabeça da voz rola como uma formiga de asas vermelhas no tecto das rochas envenenadas pela fome, e o poema,

- Fode-se,

Três filhos rija como as pedras desbotados no fim de tarde,

O poema morre.

As palavras dentro da sanita afogam-se no mijo dos pássaros,

FIM DA FICÇÃO E PRINCÍPIO DA REALIDADE,

Qualificação superior à média, educado, maluco, doido, e às vezes, às vezes revoltado, que vive num país, num país de merda que lhe diz que aos quarenta e cinco anos não serve para nada, lixo, e está na hora de partir, partir e cagar-me para a troika e para a puta que os pariu, e que no desespero, e que no desespero está disponível para trabalhar com TRAFICANTES DE DROGA, REDES BOMBISTAS OU OUTRA MERDA QUALQUER, desde que tenha um salário para viver; EU.

Pedimos desculpa pela interrupção e voltamos à FICÇÃO,

Roda o coisinho do autoclismo e as palavras dispersam-se no cacimbo junto ao rio, no musseque o sol começa a esconder-se na sombra dos miúdos que desenham círculos na terra, o capim cobre-lhes as pernas queimadas de tristeza, é dura como cornos a noite, é dura como cornos a vida, é dura como cornos a cabeça que me mantém em equilíbrio como um poste de electricidade, os candeeiros dos meus olhos fundidos, e o escuro sobe pelo meu corpo e entra-me pelo nariz, e dou-me conta que sai fumo das minhas orelhas; curto-circuito interno, o indicador pisca-pisca do lado direito com um ataque cardíaco, e os médios, os médios com fractura do fémur,

- Acorda e durante a noite uma espiga de milho entra-lhe no olho esquerdo,

Ou fofinha,

Como a seda que alimenta o meu peito,

Os dias de inferno.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:44

Desistir de olhar os pássaros

De perceber o silêncio da manhã

Desistir das correntes que me prendem aos socalcos

E não deixam o meu corpo afundar-se no rio,

 

Desistir não desistindo de viver

Mas desisto de continuar as braçadas neste mar

Desistir não desistindo de escrever

Mas definitivamente… desisto de sonhar,

 

Desistir não desistindo das árvores do meu jardim

Das nuvens que adormecem nos meus braços cansados

Nas horas intermináveis da noite

Desisto e desisto e desisto dos meus sonhos falhados.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:57

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