Percebo que morri
E que aos poucos as minhas palavras
São como folhas de árvore
E vem o vento e vem a chuva
E as palavras numa mistura pegajosa
Submergem na manhã melancólica
Percebo que morri
O coração deixa de bombear
As sílabas e as vogais
E as minhas veias em colapso
Estoiram como as lâmpadas da noite
Cesso de escrever de olhar o mar
E as gaivotas morrem no desespero do cansaço
Quando o cheiro intenso a dor
Se alicerça nas mão de uma criança
E a criança disfarçada de sombra
Brinca na rua infestada de ruínas
Cancros de solidão nos corpos amordaçados
Nos braços as nuvens em migalhinhas
No corredor da morte.
Peço desesperadamente que matem as minhas palavras
- Façam-me esse favor, não tenham medo!
Porque enquanto nascerem palavras em mim
Percebo que estou vivo,
E não me apetece nada absolutamente nada
Caminhar sorrir viver existir…
Matem-me as palavras
Que do resto cuido eu,
Percebo que morri
E que aos poucos as minhas palavras
São como folhas de árvore
E vem o vento e vem a chuva
E nem o vento e nem a chuva
Conseguem separar-me deste xisto em brasa
Deste rio que engole o meu esqueleto
E que me mantêm vivo
Porque escrevo palavras
Palavras que quero deixar de construir
Porque enquanto existirem em mim palavras
O meu corpo não consegue partir…