Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

29
Jun 11

E se a água se evaporar,

E o mar ficar terra ressequida?

O sol na garganta de um buraco negro

E lá dentro nada

Silêncio e a sombra de Deus

E lá dentro nada,

Não a água do mar,

Não a terra ressequida,

Não a porta de entrada,

E se a água se evaporar,

E o mar ficar terra ressequida?

Os peixes pendurados nas árvores

E lá dentro nada

As espinhas na borda do prato

E lá dentro nada,

Não a água do mar,

Não a terra ressequida,

Não a janela de saída,

Não a casa sonhada.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:58

Se o teu corpo é de chocolate,

Vou comê-lo,

Vagarosamente no silêncio dos patos bravos, vagarosamente as tuas pernas que caminham na sombra das estelas, o esvoaçar dos saltos dos teus sapatos quando o passeio se cruza com a estrada, e um automóvel os meus olhos em máximos no teu corpo de perdiz à procura de palavras e eu na peugada do chocolate das tuas mãos,

- Os teus olhos brilhavam no escuro,

Acendiam-se e apagavam-se como o folhear de um livro poisado no banco de jardim,

 

Desisto, não me apetece escrever mais,

 

E o teu corpo de chocolate evaporou-se em Belém numa manhã de sábado, e por entre a feira de velharias os meus olhos pregaram-se a um boné de militar da antiga URSS e não o comprei porque parecia-me demasiadamente velho e usado, e porque deixei de acreditar,

 

Não me apetece escrever mais,

Hoje não,

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:55

Hoje se eu sou

Ontem não o era

Hoje um miserável dia do calendário

Um número sem importância pregado na parede,

 

E onde se esconde a parede

Que deixou de existir?

Hoje apenas um silêncio

Que separa a cozinha da sala,

 

Durante a noite a parede consumida

Pelas estrelas de papel

Hoje se eu sou

Ontem não o era,

 

E amanhã certamente não sou

O eu de hoje

O ontem de eu…

O amanhã que não existe.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:34

Percebo que morri

E que aos poucos as minhas palavras

São como folhas de árvore

E vem o vento e vem a chuva

 

E as palavras numa mistura pegajosa

Submergem na manhã melancólica

Percebo que morri

O coração deixa de bombear

 

As sílabas e as vogais

E as minhas veias em colapso

Estoiram como as lâmpadas da noite

Cesso de escrever de olhar o mar

 

E as gaivotas morrem no desespero do cansaço

Quando o cheiro intenso a dor

Se alicerça nas mão de uma criança

E a criança disfarçada de sombra

 

Brinca na rua infestada de ruínas

Cancros de solidão nos corpos amordaçados

Nos braços as nuvens em migalhinhas

No corredor da morte.

 

Peço desesperadamente que matem as minhas palavras

- Façam-me esse favor, não tenham medo!

Porque enquanto nascerem palavras em mim

Percebo que estou vivo,

 

E não me apetece nada absolutamente nada

Caminhar sorrir viver existir…

Matem-me as palavras

Que do resto cuido eu,

 

Percebo que morri

E que aos poucos as minhas palavras

São como folhas de árvore

E vem o vento e vem a chuva

 

E nem o vento e nem a chuva

Conseguem separar-me deste xisto em brasa

Deste rio que engole o meu esqueleto

E que me mantêm vivo

 

Porque escrevo palavras

Palavras que quero deixar de construir

Porque enquanto existirem em mim palavras

O meu corpo não consegue partir…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:36

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