Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

03
Jul 11

As peugadas que a noite constrói na janela virada para o mar,

Procuro no papel amarrotado das minhas mãos as palavras que guardei debaixo das pedras da minha infância, três caixas de cartão silenciosamente esquecidas na sombra da biblioteca e falta-me a coragem de as abrir, folhear uma por uma as folhas das árvores do jardim onde me sentava nas noites de verão, e falta-me a coragem de incendiar o lixo do meu passado, e falta-me a coragem de assassinar os versos tresloucados que mergulhavam nos meus olhos encarnados, pupilas inchadas nos fins de tarde quando de braços cruzados fitava o soalho de relva do meu quarto, as flores sobre a cómoda da bisavó sorriam-me e na noite ouvia o chilrear de pássaros que dormiam no meu peito, cigarros metafóricos derretiam-se sobre os livros de Milan Kundera, e queria ter a mesma coragem que tive quando numa fogueira alimentada de vodka destrui todos os meus desenhos, vi sem lágrimas o lume comer os seios de uma gaivota, vi sem lágrimas o lume comer o azul do céu e a arrotar nuvens de malmequer, e vi sem lágrimas as cores vestidas de cinza que semeei no quintal, pensava ele na preguiça da manhã e frente ao espelho da casa de banho,

- Para que queres tu três caixas de cartão, três caixas de lixo, e restos de árvore que cheiram a pássaros afogados no rio,

Não as quero,

Provavelmente as pessoas a quem dedicaste esses versos impregnados no resto de comida da messe de sargentos já morreram, tal como tu, dizia-me ela,

Não as quero, mas guardo-as religiosamente e todas as noites ajoelho-me com o terço na mão e rezo-lhes, peço-lhes que me ajudem a destrui-las, encosto as mãos à pele macia dos azulejos da casa de banho e com a cabeça poisada na parede fico lá, esqueço-me que estou vivo e quando acordo a barba enrola-se-me no pescoço, há tanto tempo que morri, gritava ele na noite,

- As gotinhas de suor mergulhadas na esponja da garganta, os lábios colados na minha boca de menina da cidade, falávamos do mar, escrevíamos na margem do rio o silêncio dos pássaros, da noite vinha até nós o desejo das estrelas, pegava-me na mão, abraçava-me com força, a mão dele caminha debaixo da minha blusa como se fosse as penas macias da lua, acariciava-me os seios finíssimos de areia, a mão descia-me pelo corpo esquelético, e com uma pinça afastava as minhas cuecas da maré, a mão dele dentro da minha vagina, eu transpirava, eu em lágrimas de prazer,

Há tanto tempo que morri quando nas peugadas que a noite constrói na janela virada para o mar a mãe dela nos surpreende na despedida de um beijo, a senhora sorri nos olhos das palmeiras,

- E eu em gemidos silenciosos nas escadas do prédio, e eu amava-o, e eu desejava-o, e eu depois de ele morrer voltei a amá-lo e a desejá-lo e a sentir as mãos dele dentro do meu corpo de mulher,

Não as quero, dizia ele quando olhava as três caixas de cartão,

- Ainda guardo dentro de um livro a rosa que roubaste no jardim, deste-ma e eu todas as noites olhava-a e sentia o peso dos teus braços,

Não as quero.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:36

E quando a luminosidade de uma árvore

Nas pétalas absorventes do vento

Teu corpo em mim saudade

Corpo de ti alimento,

 

Pendura-se no néon a cidade

Tu deitada na minha mão cintilante

Tu as ruas indefinidas dos prédios em ruína

Na tua pele meu amor na tua pele o céu brilhante

 

A lua do teu corpo,

Quero afagar os teus seios de amanhecer

Sem que os ponteiros do relógio acordem

Na manhã que vai nascer,

 

Vivo da esmola do teu corpo

Habito no teu útero desejado

Mergulho no teu púbis da noite

Ao teu corpo abraçado,

 

E no mar deixo o meu sémen que brota de ti

Nas horas amortecidas do luar

De ti a noite ancorada nas nuvens de algodão

Em ti os meus lábios beijar.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 10:34

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