Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

05
Jul 11

Vou roer-te os tornozelos seu “monte de esterco” sentenciou o rafeiro enquanto me aproximava, e assim fez, com dois dentes presos por arames ao muro de vedação, zás, a picada minuciosa nas minhas pernas de árvore centenária, das queixadas abertas como a garganta de um vulcão as palavras errantes que se fixavam às minhas calças, a ganga arranhada no silvado de pêlo curto e génio entrelaçado na sombra das bananeiras, e escondia-me e pensava, levas um pontapé nos queixos que até vais ver estrelas, e nem as estrelas caíram do céu, nem o meu pé conseguiu tocar nas queixadas do rafeiro, ele um cagalhão que cabe na algibeira e tão ranhoso e tão guerreiro, e faz-me lembrar aqueles que gritam e gritam e gritam e com um tabefe aterram no pavimentos com a fuça desfeitas em pedacinhos de papel pela gatinha da vizinha,

- Tão gira ela,

A gatinha ou a vizinha?, para mim o rafeiro em sorrisos parvos, e que posso eu responder, que nem uma coisa nem outra, e que não tenho vizinhos, os metros quadrados de quintal começam a encolher na tarde, juntamente com a noite os estorninhos que regressam de mais um dia laboral, as filas intermináveis, os berros das buzinas camufladas debaixo das asas, a paragem obrigatórias nos semáforos com tosse e rouquidão, a poluição da descarga incontrolada de nuvens em decomposição, e passo ao de leve a mão pela cabeça e o cheiro intenso a palha e urina, e escrevo nas paredes,

- Malditos estorninhos,

Os plátanos esperam-nos e o rafeiro louco a correr em círculos desajeitados, grito-lhe anda cá REX, e REX nada, como se eu fosse um “monte de esterco”, e percebo que ele,

- Vai-te foder e deixa-me correr,

A língua pendurada ao canto da boca e o cigarro de lambidela em lambidela extingue-se-lhe e sobram-lhe as cinzas com o cheiro a cio, cabrão de cão, e eu anda cá REX, e o REX levanta a pata e com os dedos constrói uma figa, FOCK YOU,

- E escrevo nas paredes malditos estorninhos que vacilam em todos os finais de tarde,

E todos os finais de tarde este pelintra a roer-me os tornozelos, passa-me as calças a ferro, e quando tinha mais dentes até um par de botas conseguiu furar, sinto a agulha a tocar-me no dedo, e desde aí quando chove em demasia as inundações do costume, as sarjetas entupidas, as folhas que se entranham garganta abaixo, meia volta no estômago e do intestino uma pasta pegajosa, a que o povo apelida de merda,

O quintal agora apenas milímetros quadrados, e eu pergunto-me, e o resto do terreno?, e eu pergunto-me, e as árvores?, e eu pergunto-me e o REX?, e eu pergunto-me, e os estorninhos?, e respondem-me do portão de entrada,

- Todos mortos, na lápide a bravura heróica dos soldados em combate que na guerra das sombras defenderam todos eles, todos eles sem excepção, a missão que lhes tinha sido confiada,

Tão gira ela,

A manhã quando acorda e as gotinhas de orvalho lentamente na minha pele, e no quintal o insuportável do REX a roer-me os tornozelos que abanam na língua da ganga,

O pequeno-almoço na mesa,

E na TV em rodapé junto ao soalho ULTIMA HORA “Moody´s corta rating de Portugal para lixo”, e eu e o resto do terreno e as árvores e o REX e os estorninhos em voz alta, que novidade…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:52

Sobre o arame dos dias

Caminho silenciosamente para a outra margem

Poiso-me como se fosse um pássaro

Quando nos lábios emagrece a aragem

 

Das horas dos dias e dos meses,

O vento balança-me e sinto-me embriagado

Pela pasmaceira de estar vivo…

E continuar firme como um calhau lançado

 

Rabina abaixo.

Que quereis vós de mim senhores da terra?

Que me ajoelhe e vos lamba as botas

E engula as rochas da serra?

 

E nem a fome vergará o meu esqueleto decrépito

Porque o meu corpo poderá vender-se, e porque não?,

Mas a minhas convicções e ideais

Jamais se venderão,

 

Vender o meu corpinho sim

Lamber botas é que não,

Irrita-me dá-me nojo

Alergia e comichão.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:07

Da garrafa de palavras o azedume nos lábios, o cheiro intenso a sílabas dilata as pupilas dos meus olhos, e é sobre a mesa-de-cabeceira que poiso as vogais que sobejam quando a garganta se me arranha nas frases intermináveis, os óculos suspendem-se no nariz fino e saliente no rosto queimado pelo sol, e as mãos tremem e os braços cintilam enquanto pausadamente folheio as páginas vagarosas da garrafa, a cabeça estonteia-se na luz do candeeiro e o meu corpo dobrado na praia do quarto como fumo de cigarros que entra dentro da garrava, começo a ficar bêbado de palavras, o álcool dos parágrafos semeiam-se nas finíssimas clareiras da rua semidesértica e o meu corpo cambaleia ao som dos ruídos da noite,

- Quase quatro mil garrafas de palavras penduradas no tecto,

No estômago a mistura de seios que me espreitam através dos óculos de lábios cerrados nas estrelas da manhã, a pele fina e silenciosa que me olha quando faço uma carícia à garrafa, a mulher que deitada sobre as nuvens do desejo me chama com um sorriso de desespero,

- Anda,

E eu subo os cinquenta degraus que me dão acesso ao céu, este gajo é completamente louco, penso eu enquanto num virar de página vejo-me dentro da transversal que dá para o rio, transpiras e o teu corpo é um poço de desejo mergulhado nos lençóis nauseabundos da pensão,

- Vinte e cinco euros por esta espelunca a que chamam quarto?,

As tuas coxas firmes como um barco aparafusado às frestas das paredes, no soalho o capim das nossas roupas misturadas no cacimbo das horas, da rua vem até nós a voz de quem procura nos caixotes de lixo o ventre da noite, e isto é que é o céu?, pergunto-me eu quando a minha boca morde o teu seio agarrado aos meus dentes, e este gajo é completamente louco, a garrafa que me olha e as palavras começam a esvoaçar pelo gargalo e caem sobre o tapete rendilhado da relva do jardim,

- Quantas garrafas dentro dele?,

Vem-me o enjoo das palavras e as paredes do quarto em rotação anti-horária,

Já não distingo as minhas pernas das tuas das dela e das dele, e quantos olhos?, pergunta ela quando ele com a garrafa não mão perde-se no crucifixo enrolado aos gemidos das palavras, e está molhada como os arbustos pela manhã,

- Anda,

Quantas garrafas meu Deus dentro de mim, e para quê?, pensa ele enquanto coloca a rolha e poisa a garrafa sobre a mesa-de-cabeceira,

Levanta-se e tropeça nas sílabas, e enquanto sentado no bidé a alimentar o último cigarro do dia lembra-se de quando na embriaguez das palavras nasciam algas no rio e nos barcos sorriam caranguejos gagos, o candeeiro extingue-se e desce sobre ele a mulher de coxas firmes aparafusadas às frestas.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 13:28

Julho 2011
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2

3
4
5
6
7
8
9






Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

subscrever feeds
Posts mais comentados
mais sobre mim
pesquisar
 
blogs SAPO